Se eu quiser falar com Deus |
Escrito por Franklin Valverde | |
30-Abr-2008 | |
Inverno de 1989. Havia uma boa expectativa ao iniciarmos uma excursão de um dia, em ônibus, pela região de Burgos, 237 km ao Norte de Madri. Um programa muito comum dos estudantes latino-americanos que passam pela Espanha. Burgos, além de ser a terra do lendário El Cid Campeador, possui uma catedral que é considerada uma das maravilhas da arte gótica espanhola. Logo de saída o tempo não ajudou: às vezes chovia, outras nevava e fazia um frio que era polar para a pele dos brasileiros. Não bastasse as condições climáticas adversas, tínhamos uma guia que só se preocupava em cronometrar o tempo de visita aos monumentos, igrejas e conventos que íamos encontrando pelo caminho.
No final da tarde, já no fim da famigerada excursão, estávamos passando pela pequena cidade de Santo Domingo de Silos. Escurecia e não dava para ver mais nada no povoado. A única atração que restava era um mosteiro beneditino. O grupo chiava: "mais uma igrejinha para conhecer...". A guia sugeriu, aos que ainda estavam munidos de uma dose de paciência, que assistissem à missa desse mosteiro, pois era celebrada em cantos gregorianos. Para assisti-la havia algumas regras a seguir: quem entrasse não poderia sair no meio da cerimônia, além de permanecer o tempo todo em total silêncio. Muitos se recusaram, não agüentavam mais entrar em igrejas. Resolvi apostar, entrei e acabei salvando minha excursão. Encontrei um grupo de monges reclusos que viviam em um castelo de pedra, cuja função era rezar pelo mundo corroído. Cena que acreditava não mais existir. Teve início a missa com o Kyrie, veio a Gloria, passaram pelo Credo e o Sanctus e terminaram com Agnus Dei. Acabamos vendo não um espetáculo de canto, mas sim uma conversa daqueles religiosos com Deus. Estávamos lá quase como intrusos em uma solenidade, para eles, diária. Suas belas vozes, muito bem afinadas e cantando em uma língua considerada morta, mas que para eles ‚ bem viva, o latim, dava a precisa dimensão do que é ter um espírito de paz. A cada canto entoado os presentes, mesmo os não religiosos como eu, ficavam como que purificados pela voz que vinha do âmago dos monges. Era a melhor forma de expressar a Deus a gratidão pela existência e pedir pelo nosso mundo. Cinco anos depois encontrei aquele canto eternizado em um CD e ocupando o topo do hit parade. A missa dos monges de Santo Domingo de Silos é uma cerimônia, não um espetáculo. Para o real entendimento do trabalho dos monges ‚ necessário não esquecer disso.
Franklin Valverde é jornalista e editor de ondalatina.com.br. Site: franklinvalverde.com.br.
PO: Cad2-OESP - 100594.
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