Uma outra realidade |
Escrito por Franklin Valverde | |
08-Mai-2008 | |
A imprensa brasileira sempre foi muito pródiga na oferta de títulos, mas poucos marcaram tanto o jornalismo brasileiro como a revista Realidade. Lançada em 1966, pela Editora Abril, a publicação marcou sua época como exemplo de criatividade e investigação no fazer jornalístico. Em seu primeiro editorial o diretor Victor Civita sentenciava que a publicação seria "a revista dos homens e das mulheres inteligentes que desejam saber mais a respeito de tudo. Pretendemos informar, divertir, estimular e servir a nossos leitores". Formulada essa premissa o que se viu foi uma revista que levava, a todos que a liam, a pensarem no mundo em que vivam e como se relacionar frente as transformações pelas quais esse mesmo mundo passava.
A marca da polêmica sempre esteve presente em suas páginas. A começar pelo primeiro número que apresentava na capa o jogador de futebol Pelé, com um busby na cabeça, e a curiosa chamada "Foi assim que ganhamos o tri". Vale lembrar que esse número chegou às bancas em pleno mês de abril e a Copa do Mundo de Futebol só aconteceria três meses depois, com um monumental fiasco de nossa seleção, só superado pela equipe da "era Lazzaroni" nos anos noventa. Essa bem-humorada brincadeira trazia o "escrete nacional" - era assim que alguns chamavam a seleção na época - , como tri-campeão mundial. Apesar do discurso ufanista, o exercício de ficção assumido, fazia desse texto jornalístico artigo literário. Era uma maneira revolucionária de fazer jornalismo no Brasil, bebendo na fonte do new journalism americano, que se mesclava com a literatura, apostando na riqueza das palavras e na refinada construção sintática para contar uma boa história, esquecendo a máxima que domina o jornalismo atual da objetividade presa, em excesso, a camisa de força do lead. Eram outros tempos. Além disso a equipe que produzia a revista era composta por grandes nomes do jornalismo brasileiro como Narciso Kalili, Luiz Fernando Mercadante, José Hamilton Ribeiro, Paulo Patarra e Woile Guimarães.
Muito do revolucionarismo da revista Realidade deve-se ao fato dela ter surgido em um período de grande ebulição cultural e transformações comportamentais. Não podemos esquecer de registrar que, durante essa época, o mundo passava pela revolução sexual com a invenção e posterior massificação da pílula anticoncepcional, o fenômeno musical dos Beatles, a guerra do Vietnã e o clima propício as futuras revoltas estudantis em Paris e em outras capitais do mundo. No caso brasileiro vale lembrar que estávamos vivendo na época posterior a bossa nova e a construção de Brasília, além da Jovem Guarda, do concretismo e da Tropicália, até culminar com o AI-5 e conseqüente endurecimento do regime militar e a censura a imprensa, o que atingiu em cheio a revista. A reportagem era a alma da Realidade, fazendo de suas matérias leitura obrigatória. Uma das mais marcantes foi realizada pelo jornalista José Hamilton Ribeiro, que acabou virando a notícia de capa em uma de suas edições. Pautado para a cobertura da guerra do Vietnã, por uma infelicidade, pisou em uma mina terrestre que detonou levando uma de suas pernas. A reportagem de Ribeiro foi o dramático diário de sua tragédia pessoal, relatando os horrores que uma guerra traz. Outra reportagem marcante foi a entrevista com o líder comunista Luiz Carlos Prestes, secretário geral do PCB, em plena ditadura militar, revelando os seus planos políticos e apostando na mudança social e econômica do Brasil. Na área comportamental vale registro uma edição, lançada em janeiro de 1967, que discutia o casamento, o sexo e aborto sob o ponto de vista da mulher brasileira. Recolhida pela censura, os exemplares dessa edição só foram liberados quase dois anos depois. Uma década após o seu lançamento, em 1976, com a transformação da sociedade e da imprensa brasileiras, além da perseguição da censura, fez com que Realidade chegasse ao fim deixando saudade. É certo que hoje, em tempos de internet e com a velocidade cada vez maior da notícia, não há mais espaço na grande imprensa para "delírios" como a fictícia conquista do tricampeonato mundial de futebol em 1966, mas a grande lição que a revista Realidade dá o jornalismo de hoje é a necessidade do repórter desenvolver o seu espírito investigativo. Essa é a sua maior razão de ser, aprofundando nos bastidores, trazendo a tona a essência dos fatos, mostrando a verdadeira realidade.
Franklin Valverde é jornalista e editor de ondalatina.com.br. Site pessoal: www.franklinvalverde.com.br . |
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