Caro Victor
Passam-se dias, meses, horas, anos,
Amadureçam as ilusões da vida.
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.
Faça-se ela mais envelhecida,
Sem corretivos para os danos
De quando desenhamos nossos planos:
Melhor tomá-la como vencida.
Pense no horror desta aventura
Que no final sempre escurece
(A morte para a vida é a cura)!
E te direi caro Victor, esquece
Quão grande vida tem, criatura,
Que vê envelhecer e não envelhece.
***
Cata-Vento
Jamais ouse escrever algo sobre a vida.
Se a rima agoniada brota pelo papel,
Ensimesmada veio pela ventania e
Foi-se com a brisa e
Restou apenas recordação austera
Do que um dia foi sentimento.
(Que pode uma estátua afinal,
contra o movimento?)
Pobre de nós que ao arrepio do vento
Sofremos e pensamos sobre a vida.
Esquecemo-nos dela.
Quando recordamos,
Já foi.
Imagina então ser cata-vento que se é:
Ao investigar a brisa e a bruma interrompe-se a rotação das grimpas.
Ao girar, perde-se no passar do vento
Quando, como, por que as grimpas.
***
Lavrador
Pelo breve instante que passa
Pela ideia e a palavra,
Desprende-se leve, já em graça,
Constituindo-se não em trava,
Mas em suor de um lavrador,
O sentido bruto que o lavra.
Molda-o! Que deste parto a dor
Não nasce, foge (como a amante)
Arrependida de tal horror.
O que fica ao vento, distante,
É tempo, é espaço, é pétala
Que se desprendeu por um instante.
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