Nariz-de-cera |
Escrito por Jamil Alves | |
25-Fev-2015 | |
A primeira vez que ouvi a expressão "nariz-de-cera" foi durante a faculdade de Jornalismo. Achei engraçado o termo, que me fez lembrar minhas brincadeiras com bonecos de massinha quando eu era criança, mas logo percebi que não tinha nada a ver: num texto jornalístico, nariz-de-cera é uma espécie de parágrafo introdutório que retarda a abordagem direta de um assunto.
Aprendi o que era nariz-de-cera e também a evitá-lo. Os tempos de hoje clamam por objetividade, e ai daquele que não entregar tudo logo de cara num lide muito objetivo e direto. Essa tal expressão nariz-de-cera me veio à mente nestes últimos dias, mas por um motivo que nada tem a ver como sentido que me ensinaram na faculdade. Pelo que tenho visto na TV, começo a desconfiar que essa expressão deva existir também em outras áreas do conhecimento como a Medicina, por exemplo. Outro dia demorei um tempão para reconhecer uma cantora que se submeteu a uma plástica no nariz. Continuou fanha e com um repertório limitadíssimo. Anteontem, assisti na TV a uma jovem atriz num programa de auditório e pensei que fosse a cantora do outro dia. O nariz estava igualzinho e, de tão perfeito, com sua ponta arredondada, ligeiramente arrebitada e tudo milimetricamente simétrico, ficou parecendo que era de cera. Só depois de alguns minutos reconheci a tal atriz pela voz e lamentei muito pela desconfiguração do rosto que eu conhecia e de que gostava. Às vezes, tenho a impressão de que o mundo enlouqueceu e que, se não foi ele, quem enlouqueceu fui eu. A TV, que para mim quase sempre foi uma gostosa fonte de entretenimento, tem mostrado coisas que eu realmente chego a duvidar que sejam reais. Num país que já teve Dalva de Oliveira e Elis Regina, que tem Caetano Veloso, Chico Buarque e tantos outros artistas tão genuínos e talentosos, chamar de música o que eu ouvi num comercial de carro, um refrão que dizia “Caraca, moleque, que é isso?”, acompanhado de uma reboladinha constrangedora do “cantor”, é o mesmo que chamar de avião uma carrocinha de pipoca, com todo respeito ao pipoqueiro. Parece que, para a TV aberta brasileira, só sobrou o piruá mesmo. Chego a torcer para que, no mais radical e improvável dos casos, a empresa registre vendas perto de zero e que acabe falindo. Uma empresa que flerta com o mau gosto e com a imbecilização do indivíduo não é séria, não pode ser séria. Por falar em seriedade, ou na falta dela, temos sido bombardeados nos intervalos por uma marca de xampu que diz que combate os “sérios” danos causados pelos minerais contidos na água. Ou seja, até a água danifica os nossos cabelos, é isso? Será que não estão indo longe demais, neurotizando as pessoas demais, encasquetando-as demais, pasteurizando-as demais, lobotomizando-as demais? Não posso mais nem lavar em paz meu parco cabelo?Em suma, se me operarem o nariz, se eu comprar o carro da reboladinha ridícula e se, além disso, lavar meu cabelo com o tal xampu, serei bonito, gostosão, cabeludo, bem-sucedido e feliz?
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Atualizado em ( 25-Fev-2015 ) |
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