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Onda Latina

terça
23.Abr 2024
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Dona Anita do bar PDF Imprimir E-mail
Escrito por Jamil Alves   
18-Mar-2015
benga.jpgA cada dois anos, na época das eleições, faço uma viagem ao passado ao ir votar. Mesmo tendo me mudado de bairro há muitos anos, continuo votando na mesma escola, na vizinhança onde morei os vinte primeiros anos de minha vida, na Vila Carrão, nesta capital. A preguiça de procurar a justiça eleitoral para transferir minha sede de votação para uma escola mais próxima de casa sempre foi mais forte que a de ir votar a cada ano par a uns dez quilômetros de distância de onde resido agora.

Quando digo que faço uma viagem, não me refiro à distância física que me separa do Colégio Islâmico Brasileiro, minha escola de votação onde minha irmã caçula estudou por cerca de três anos. Minha viagem é ao passado, nas conversas e no pensamento, devido aos encontros, uns certos e outros fortuitos, que tenho cada vez que vou registrar meu voto.

A saga do dia da votação começa no trânsito caótico, na busca desesperada por uma vaga para estacionar sem flanelinhas para tentar me extorquir e na sujeira pavorosa que se vê nos arredores da escola. É inacreditável a quantidade de papel desperdiçado que emporcalha as ruas e entope os bueiros. Quando chove, então, a lambança é ainda pior.

Vencidas essas primeiras etapas estafantes, o encontro com Ana Maria é mais que certo: ela é a chefe dos mesários da seção onde voto. "Jamil, quanto tempo! O que anda fazendo? Onde está morando? Casou? Teve filhos? E a sua mãe?". Essas são perguntas que nunca faltam, repetidas infalivelmente e à queima-roupa no meio de mais uma dúzia de outras perguntas, de dois em dois anos.

Ana Maria é uma mulher de uns 45 anos, pele clara, cabelos e olhos escuros. Seus olhos, diga-se, são muito bonitos e expressivos. Revelam seu excesso de curiosidade antes mesmo de sua boca metralhar perguntas. E, como ela faz muitas perguntas na sequência, respondo sempre a apenas algumas, costumeiramente as mesmas: "Estou morando na Mooca, sou jornalista, minha mãe agora está morando lá perto de casa". Acho que Ana nem se dá conta de que em todos os encontros eu lhe dou sempre as mesmas respostas.

Na minha infância, a família de Ana Maria tinha um bar, o "bar da rua de cima", onde quase todos os dias eu ia comprar pão, leite e bolachas (eu sei que no pacote vem a palavra "biscoito" escrita, mas não há quem me corrija e me obrigue a chamar aquelas guloseimas industrialmente empacotadas de outro nome que não "bolacha").

O bar era de propriedade do italiano Seu Giovanni e da grega Dona Anita. Ambos falavam um português bem enrolado, principalmente ele, e creio que ambos foram os primeiros a despertar em mim a curiosidade por aprender outras línguas e saber mais sobre outras culturas. Dele, lembro-me pouco. Morreu precocemente quando eu tinha apenas uns 8 ou 9 anos. Foi uma grande comoção na vizinhança.

Dona Anita se viu, então, sozinha para criar duas filhas. Nem sequer lhe ocorreu fechar o bar ou fazer qualquer mudança brusca de vida. Seu bar era uma referência na vizinhança e, embora não desse para ninguém ficar rico vendendo pão, leite, bolachas e mais uma meia dúzia de itens, fome, naquela casa, ninguém passava.

A grega dona do bar, a ora enigmática ora simpática dona Anita, tinha lá suas particularidades. Uma delas, de dar engulhos, era o péssimo hábito de deixar suas dentaduras bem em cima do balcão, mergulhadas num copo com água. E o copo, pela altura do balcão, ficava bem na direção dos meus olhos. Quando eu ia lá comprar algo, era impossível não vê-lo. Isso acontecia praticamente todos os dias, com direto à folga aos domingos, porque o bar funcionava de segunda a sábado, apenas.

Aqueles dentes no copo me causavam nojo, mas hoje não consigo me lembrar deles sem dar boas risadas. Afinal, aqueles dentões, de tão fora do lugar e inusitados em minha memória de criança, eram quase uma pessoa, uma extensão de Dona Anita que, àquela altura, com seus cabelos grisalhos e óculos de armação enorme, já deveria ter uns cinquenta anos de idade.

Mesmo com um domínio linguístico do idioma português muito melhor que o de seu Giovanni, dona Anita dava lá suas mancadas. Algumas bem feias. Certa época, ao lado do copo com a dentadura, foi colocada uma placa improvisada num pedaço de papelão: "Benga: Cz$ 2.000,00".

Na primeira vez em que vi o aviso, fiquei por alguns momentos sem entender o que Dona Anita estaria vendendo por dois mil cruzados. E a meninada toda da rua não a perdoou: cada um que entrava no bar caía na gargalhada, já que "benga" significa, ou pelo menos significava num português bem informal da periferia paulistana, o órgão sexual masculino. Só depois de vários dias, quando meu riso arrefeceu e me apercebi do ridículo da situação, eu mesmo pedi a ela que corrigisse o aviso e escrevesse "bengala".

Mas nem só de "benga" e de dentaduras no copo viviam os episódios engraçados no bar de Dona Anita. Ela mesma, muitas vezes, era em si o motivo da graça. Ríamos cada vez que a ouvíamos dando opções de cerveja aos frequentadores do bar: "Brama o Tática?, Brama o Tática?", e sem nasalizar o primeiro "a", na tentativa de oferecer "Brahma ou Antárctica" a seus clientes.

Quando estava sem seus dentes (ou, melhor dizendo, quando os tinha no copo em vez de na boca), sua língua ricocheteava involuntariamente cada vez que ela falava e acabava tocando várias vezes a ponta nas laterais dos lábios de forma frenética. Era um cacoete engraçadíssimo e exclusivo. Nunca mais vi, nem depois de adulto, ninguém com um cacoete como aquele.

Mais engraçado que aquele cacoete foi o dia em que ela deixou um documento à vista em cima do balcão (o balcão do bar de Dona Anita era uma extensão de sua própria casa, fazendo as vezes de mesa, de armário ou de pia). Nele, lia-se com clareza que seu nome grego de batismo era Lemônia. Assim, durante meses, a simpática Dona Anita passou a ser caçoada e chamada de "Dona Demônia". Eu não lhe dizia nada diretamente, sabia que era desrespeitoso, mas confesso que também ri muito desse estranho nome.

Mas nem só de risadas se vivia no bar de Dona Anita. Ela era também uma mulher solidária, sempre disposta a ajudar um mendigo que lhe pedisse algo de comer. Eu mesmo pude receber sua benevolência algumas vezes, especialmente quando tropecei na porta do bar e bati a boca no poste que havia em frente. Fiquei com os lábios mais inchados que os de um índio botocudo, mas logo fui acudido por ela, que me trouxe um unguento que levava água, sal e muito vinagre. Tinha um gosto horrível, mas resolveu o inchaço.

Recordo também da bandeja de brigadeiros que ela preparou e me vendeu para pagar "a perder de vista". Naquela época, famílias de poucos recursos como a minha compravam quase tudo fiado, graças a bares e mercadinhos como o de Dona Anita.

Os brigadeiros eram para a festa de aniversário da irmã do Milton, um menino da minha sala escolar, num evento do tipo cada um traz um prato; portanto, pegaria muito mal chegar de mãos vazias. Milton, que passava com a bandeja enorme de brigadeiros para servir os convidados, foi atender a campainha e a deixou comigo. Foi o mesmo que deixar o queijo com os ratos, e comer todos os brigadeiros me rendeu "um convite para deixar a festa", mais conhecido como "fora daqui".  

Os encontros eleitorais com Ana Maria também me fazem lembrar de sua irmã caçula, que deve ter a mesma idade que eu, quiçá um ano a mais ou a menos. Cris, para os familiares; Tina, para os amigos da vizinhança. Muito inteligente, ótima aluna. Costumava passar as tardes mais quentes na varanda do primeiro andar da casa onde vivia, ao lado do bar, recostada sobre o guarda-corpo. Como tinha um problema hormonal que fazia os pelos da lateral de seu rosto crescerem muito para uma menina, era raro o dia em que não passava algum moleque desenxabido parafraseando o príncipe da história da Rapunzel e gritando "Tina, jogue-me suas barbas".

Ana Maria e Tina foram criadas numa espécie de sucursal da ONU: pai italiano, mãe grega, um compadre espanhol. Aos vinte e poucos anos, Ana se casou com um português lisboeta e teve duas filhas, Giovanna e Fernanda. Tina permaneceu solteira e tornou-se professora. Ana Maria, depois de me sabatinar a cada momento pré-voto meu, sempre me fala da irmã.

Dona Anita hoje já é bem idosa, mas bem posta de saúde. Mora na Penha com uma irmã que chegou de Atenas, Fani (Fani mesmo, com efe e oxítona, não Vani). Foi só isso que consegui perguntar a Ana Maria em nosso último encontro. A fila estava grande, não podíamos ficar conversando muito. Espero ter boas novas sobre todos eles em 2016.

 

Atualizado em ( 18-Mar-2015 )
 
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