Dies Domenica |
Escrito por Jamil Alves | |
03-Mai-2015 | |
Um, dois, três, pim. Cinco, seis, sete, pim. Nove, dez, onze, pim, e assim começavam todos os domingos, invariavelmente. Era Sílvio Santos, o "homem do baú", com uma de suas inúmeras brincadeiras no programa Domingo no Parque, na época em que Record e TVS, antigo nome do SBT, transmitiam simultaneamente a mesma programação dominical.
Em casa, nunca fomos de acordar muito cedo ou ir à missa. Aproveitávamos os domingos cada um a sua maneira, mas sobretudo tentando desacelerar o ritmo dos dias da semana e procurando na tevê algo que nos distraísse. E, nesse compasso, era possível ver diversos programas comandados por Sílvio Santos, desde o meio da manhã até o finalzinho da noite. Apesar de meio tolos, aqueles domingos dos anos oitenta eram domingos inocentes e, de certo modo, felizes. Tenho viva na memória a irritação que sentia (sim, sou um cara irritadiço desde muito pequeno) quando alguma das crianças do Domingo no Parque errava a "Brincadeira do Pim", que consistia em contar de um a trinta dizendo "pim" nos múltiplos de quatro, ou quando não conseguiam pronunciar corretamente a palavra "telespectadores": eu é que deveria estar lá!Poucos anos mais tarde, meus domingos tornaram-se uma tríade: Over Night, Contramão e Toco.Com um vocabulário atualizado, essas eram as três melhores baladas da cidade na época. A Overnight, na Juvenal Parada, na Mooca, hoje é um salão de festas, mas nos anos oitenta embalou muitos namoros com suas músicas ora dançantes, ora românticas.No vão embaixo da escadaria principal, muitas histórias de namoros juvenis. Se aquele vão falasse... No Tatuapé, a Contramão. Rua Coelho Lisboa, se não me engano. Lá, todos os domingos, havia uma turma de uns dez rapazes, todos de cabelos compridos. Dançavam freneticamente e rodopiavam as cabeças e as madeixas, sendo admirados e imitados por quase todos os frequentadores. Fizeram moda e marcaram época naquele sub-universo das matinês dominicais. Em 1992, a Contramão dá adeus ao público e fecha suas portas. Clima de velório no bairro. Em seu lugar, abriram um "caipiródromo" que, claro, não deu certo. Depois, uma rede de supermercados instalou-se no lugar e hoje, destoando da prosperidade da rua e do bairro, há um prédio abandonado e decrépito. Na praça central da Vila Matilde, teve lugar uma balada de sucesso durante 25 anos, especialmente nos efervescentes anos oitenta. O lugar onde funcionava nos anos sessenta o Cine São João é chamado até hoje de "praça da Toco" e passou a abrigar um bingo depois do fechamento da danceteria no fim dos anos noventa. Com a proibição dos bingos por força de lei federal em 2007, o prédio foi desocupado e até hoje está abandonado, sem vida, pintado de preto, umas pilastras azuis enormes, as entradas emparedadas com tijolos e cimento. Ainda hoje, há quem especule a respeito do paradeiro de um homem franzino, branco, de meia-idade, que fazia faxina na danceteria e se acabava de dançar com trejeitos femininos enquanto esperava a moçada sair no acender das luzes. Apesar de tudo, a vida na praça continua pulsante, os domingos nela ainda conservam certo quê de cidadezinha do interior, com passeios, namoricos e campeonatos de dominó. É o espírito alegre da Toco que ainda está na praça, no coração e no pulsar da vida na região, especialmente aos domingos. No idioma português, a origem dos nomes dos dias da semana data da Idade Média. Para os cristãos, o domingo é considerado o último dia da semana, e deriva de "dies Domenica", que significa "dia do Senhor". Domingo era o dia em que havia maior concentração de pessoas na missa, e assim é até hoje. Por isso, naquela época, era o dia em que os agricultores se aglomeravam para vender seus produtos, fazendo do domingo o primeiro dia "de feira". Consequentemente, o segundo dia de feira tornou-se "segunda-feira", o terceiro, "terça" etc. Em outras línguas ocidentais mais próximas ou conhecidas para nós, a lógica da nomenclatura dos dias da semana baseia-se na mitologia, grega ou nórdica, de onde também se originam os nomes dos planetas conhecidos naquela época. Assim, Martes, em castelhano, faz referência ao planeta Marte; Miércoles, a Mercúrio. Em inglês, Sunday tem como tradução literal "dia do Sol". Friday, originário de "Friggday", é uma referência clara à deusa Frigga, equivalente nórdica da Afrodite grega ou da Vênus romana. Independentemente de qualquer coisa que se possa dizer do domingo, este é um dia singular. Às vezes, confundimos uma quarta com uma quinta, ou uma terça com uma quarta, mas nunca um domingo com outro dia qualquer. Os domingos são muito particulares, específicos mesmo. Domingo é o dia em que menos conseguimos distrair-nos de nós mesmos. Por isso, quiçá, pareça uma dia chato para muita gente e seja necessário algo mais para nossa distração: vinte e cinco, vinte e seis, vinte e sete, pim. Vinte e nove, trinta. |
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Atualizado em ( 03-Mai-2015 ) |
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