Aos meus amigos e às minhas amigas |
Escrito por Jamil Alves | |
20-Mai-2015 | |
Hoje quero escrever um texto aos meus amigos e às minhas amigas, para que todos e todas o leiam. Convidarei os mais achegados e as mais achegadas à reflexão, para que os leitores e as leitoras me ajudem a chegar a alguma conclusão. Texto cansativo, não é? Também acho. Porém há muita gente escrevendo e falando desse jeito ultimamente. E o neutro, aonde foi parar? O comum de dois vai dar lugar a "o agente X a agenta", "o presidente X a presidenta"?
Todo texto é dotado de ideologia, do humorístico ao acadêmico, de uma bula a um recado pregado na porta da geladeira para a mamãe. Nenhuma novidade, não estou dizendo nada inédito; mas me interessa tentar conhecer a intenção subjacente a essa nova maneira de escrever e de falar na qual a ideia de "gênero neutro" parece ter deixado de existir. Outro dia, uma amiga do Paraná mandou um e-mail que começava com um "Olá a todos e a todas" e que quase me fez cair da cadeira. Existe palavra mais absoluta em nossa língua que "todos"? Era mesmo imprescindível a distinção de gênero? Será que ela fez isso de forma consciente? Não sei, mas acho desnecessário fazer essa distinção, que quiçá atrapalhe e confunda mais que ajude e elucide, afaste mais que aproxime. Parece-me um combate ao clube do Bolinha fundando o da Luluzinha, só que o segundo soa tão preconceituoso e excludente quanto o primeiro.Aprendi recentemente conceitos sofisticados e com nomes em inglês: manterrupting, bropriating, mansplaining e gaslighting para tipificar condutas machistas às quais as mulheres são submetidas. Na ordem, esses nomes quase impronunciáveis indicam "uma mulher não consegue concluir sua frase porque é constantemente interrompida pelos homens", "o homem leva o crédito tendo-se apropriado de uma ideia que na verdade era de uma mulher", "o homem tenta explicar algo óbvio a uma mulher como se ela não fosse capaz de entendê-lo" e, o último, "violência emocional pela manipulação psicológica que faz uma mulher pensar que está louca ou totalmente equivocada". Li com muita atenção e respeito tudo o que me indicaram sobre esses temas, essas nuances do machismo. Posso estar tremendamente enganado, mas tenho dúvidas se tanta tipificação ajuda a entender e a combater o problema ou se, ao contrário, não promove a neurotização do indivíduo e da indivídua (seguindo a linha de raciocínio linguístico atual). Não acho frutífera a forma estadunidense de pensar e tipificar os fenômenos sociais e psicológicos. Fiquei com medo de não poder mais interromper uma colega de trabalho que apresenta uma ideia ruim só porque ela é mulher. Isso não seria tão machista quanto interrompê-la só porque ela é mulher, mesmo apresentando uma ideia boa? Duas faces da mesma moeda, portanto? Vejo jovens meninas investindo em suas carreiras e acho legítimo que o façam. No entanto, muitas desistem de ser mães ou o consideram algo "menor". A meu ver, a verdadeira libertação feminina está em poder escolher o que quiser, em ser o que quiser, sem o crivo do outro. As mulheres estarão completamente libertas quando puderem decidir, sem neuras, o que é melhor para as suas vidas. Achando que sair do mercado de trabalho para se dedicarem à maternidade é algo ruim ou prejudicial continuarão presas a padrões impostos pelo universo masculino, pela visão machocêntrica de mundo, tendo apenas saído de um extremo, a não possibilidade de trabalhar, e chegado ao outro, a deusificação do trabalho como única forma de realização pessoal. Da mesma forma, eu quero poder ter a opção de deixar de trabalhar fora para dedicar-me à paternidade sem ser tachado de vagabundo. Não pensem, meninas, que só vocês são vítimas do machismo. Machismo é chato, machismo dói, machismo se espalha. É um veneno que intoxica a todos, mulheres e homens. Outro dia defendi numa conversa a ideia de que a tecnologia emburreceu muita gente. Há quem pense que "googar" é saber, que apertar botão de celular é atividade física e que tirar selfie é o suprassumo da arte contemporânea. No outro extremo, existe gente boa por aí defendendo posturas muito duras, vendo no outro, por questões de gênero ou de quaisquer outras diferenças, um inimigo em potencial. Excesso de lucidez e de posturas politicamente corretas é veneno, narcotiza e entorpece tanto quanto a alienação total. Em caso de envenenamento ou intoxicação, (lou)cure-se.
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