Igualdade racial, mesmo que tardia |
Escrito por Jamil Alves | |
27-Mai-2015 | |
Comecei a semana recebendo um convite para um seminário "de negros e de negras" e de novo me peguei tentando teorizar sobre os motivos que fazem as pessoas marcarem tanto essa distinção de gênero nas construções linguísticas atualmente. Será que, num seminário "de negros", as mulheres negras não estariam incluídas?
Se o foco do seminário for a discussão dos problemas que as pessoas negras passam em virtude do preconceito racial, é preciso distinguir o gênero? E, se é necessário distinguir o gênero, serão discutidas questões relacionadas às dificuldades específicas da mulher negra? Nesse caso, como será colocada a figura do homem negro? Como oprimido pelo homem branco ou como opressor da mulher negra? Parece um teorema sem solução, um imbricado sistema que remonta o de suserania e vassalagem, como na Idade Média. É bem verdade que até hoje todo camburão guarda em si grande paralelismo com um navio negreiro. Quem seria insano de dizer que há simetria racial neste país? Ninguém, claro, porque é óbvio que não há. Em minha meninice, participei de um trabalho em minha escola intitulado "Sem anos de abolição". Hoje já são 127 anos da assinatura da Lei Áurea, mas a conta, que passou dos "cem", parou nos "sem".Há duas semanas, uma amiga, negra, contou-me que vem sendo hostilizada por seus pares no trabalho e na faculdade por ter-se manifestado contrária ao sistema de cotas. Jamil, eu sou contra porque quero viver num país com escola pública de qualidade para todos, tanto para o cara da mansão quanto para o cara da favela, para o pobre e para o rico, para o branco e para o negro. É com isso que eu sonho, com um mundo que não precise de cotas, que são apenas um paliativo num sistema totalmente apodrecido. Já soube, porque eu mesma vi, de empresas que não contratam graduados que foram cotistas. Estão abrindo portas aos negros ou nos enredando ainda mais nessa teia inaceitável do preconceito? E eu, como negra, não posso nem me posicionar contra as cotas porque já sou logo achincalhada. Eu também sonho com esse tipo de escola. Porém a questão das cotas nas universidades, de fato, divide opiniões. Se os países que têm educação de qualidade tiverem algo a nos ensinar, veremos que neles há muitos mestres e doutores atuando junto às crianças, nos níveis iniciais do ensino. Aqui no Brasil isso praticamente não acontece e o Ensino Superior concentra quase a totalidade dos que temos essa formação tão específica. No entanto, é pela base que se começa qualquer construção, da de um prédio à de um indivíduo pensante e soberano de si. Frente a um aluno com sérias deficiências na base, na universidade se pode fazer pouco ou quase nada. Preconceito, seja racial ou de qualquer outra natureza, é uma seara cheia de espinhos, talvez pela simples e inexorável condição de que o preconceito parte do olhar "do outro", e, como tal, é "do outro". Incontrolável, portanto. Nosso exercício maior talvez consista em não entrar na tempestade delas, em continuarmos na nossa paz. Ou quem sabe, talvez, a torpeza alheia não tenha como serventia deixar-nos mais fortes ao invés de enfraquecer-nos e acuar-nos? Para o racista e para qualquer outro tipo de preconceituoso, cai bem o ceticismo de um amigo espanhol que sempre diz Una lagartija, aunque se vista de seda, lagartija se queda - Uma lagartixa, ainda que se vista de seda, continua lagartixa. O racista, o homofóbico, o sexista e qualquer outro que se julgue melhor por um motivo discriminatório são essa lagartixa e não entendem, nem poderiam entender, que os negros brasileiros não são descendentes de escravos, mas sim de seres humanos que foram escravizados - sutileza semântica imprescindível. Questões de preconceito e discriminação suscitam a experiência da alteridade, da certeza inexorável de que jamais conseguiremos ser, viver nem sentir como o outro. Portanto, nossa experiência cotidiana deve ser árdua: por mais que façamos ou que estejamos convictos de nossos posicionamentos, o outro não é colonizável. Nesse impasse que perpassa todas as relações humanas, cabe-nos reconhecer quem aprenderá conosco e nos ensinará algo e quem é a lagartixa. Pelo bem de nossa sanidade.
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