O poder do não |
Escrito por Jamil Alves | |
24-Jun-2015 | |
Tinha um sorriso com dentinhos brancos e perfilados e o cabelinho repartido na lateral, inclinado da esquerda para a direita. Vestia uma camisa xadrezinha de vermelho e preto, uma calça jeans com elástico na cintura e não aparentava mais de 4 ou 5 anos. Não fosse pelo comportamento, poderia dizer que era uma graça de criança.
Encontrei esse serzinho tão jovem num shopping center perto de casa numa tarde ensolarada de domingo. Ele se jogava no chão, fazia birra e urrava na porta da loja. Pelo que entendi, queria que a mãe lhe comprasse uma dessas sandalinhas crocs com estampas de uma famosa porquinha dos desenhos animados da tevê. A mãe, em contraste, tinha momentos de catatonia, ficava completamente quieta diante da situação. Depois, constrangida, titubeava entre ignorar o filho ou pedir a ele, sem nenhuma firmeza, que ficasse quieto. No caso dela, "cara de tacho" definiria bem sua expressão. Pelo que pude sentir, tratava-se de dois pobres, uma pobre criança e uma pobre mãe: uma pobre criança, que crescerá sem limites, alienada de tudo aquilo que signifique cordialidade, adequação, limite e respeito, e uma pobre mãe, que não sabe dizer um simples não a seu filho - mesmo que, algumas vezes, esse não seja mais complicado do que deveria.O não tem uma força impressionante. Não pela negativa em si, mas pelos limites que impõe. Dizer sim é muito mais fácil, o sim não machuca, não contraria, não demanda explicações. É o não que ensina respeito, delimita espaço, dimensiona o mundo. Afinal, não vivemos sozinhos, não somos eremitas, e viver em sociedade é algo que vai sendo moldado pelo não, é um vai-e-vem do avançar e do retroceder, do distinguir o nosso do alheio. A falta de não para o garotinho do shopping logo lhe fará falta na escola. O coitado, que não recebeu nãos em casa, não vai entender os nãos dos professores. A escola, que em muitos casos transformou o alunado em clientela, certamente terá dificuldade ou falta de interesse em ajudar o professor na sua tarefa diária do dizer não e estará estabelecida, então, uma cadeia perversa de inconsequência e desrespeito. Deixaremos um mundo melhor para nossos filhos ou filhos melhores para nosso mundo? Acho que deveríamos praticar mais o não em todos os âmbitos de nossas vidas. Não para aquele trabalho que não nos traz prazer, não para a visita daquele parente bisbilhoteiro e chato, não para aquele convite que não estamos a fim de aceitar simplesmente porque preferimos ficar em casa de pernas para o alto lendo um livro e descansando. O que vi no shopping dia desses foram mãe e filho numa relação sem elã e sem elo. Deixar de dizer não é perder a sagrada ligação com nossos filhos, com nossos sentimentos, com nossas próprias emoções. Deixar de dizer não é pôr a perder nossas crianças, e perdê-las é perder o compromisso com o legado para o futuro, com o respeito e com a civilidade, é perder o elo com o tempo e com a história. É perder tudo.
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Atualizado em ( 24-Jun-2015 ) |
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