Sem chão |
Escrito por Jamil Alves | |
25-Nov-2015 | |
Vamos esclarecer algumas coisas? É claro que vidas são vidas, todas valem o mesmo, independentemente da nacionalidade. No entanto, o que justifica a grande cobertura aos atentados na França e não no Quênia, por exemplo, é algo que as teorias jornalísticas chamam de "valor-notícia" ou "critérios de noticiabilidade".
Aqui no Brasil, há mais turistas indo para a França ou para o Quênia? Há mais brasileiros vivendo na França ou no Quênia? É mais fácil achar aqui alguém que saibaque a capital da França é Paris ou que a capital do Quênia é... é... é o quê, mesmo? As principais emissoras de TV têm instalações e correspondentes em Paris ou em Nairóbi (capital do Quênia)? Sim, porque a logística é um troço importante também. Igualdade, liberdade e fraternidade, Revolução Francesa, Guerras napoleônicas, Descartes, Durkheim, Focault, Rousseau, Voltaire, Diderot... Esses conceitos e nomes todos são franceses ou quenianos?No séc. XVI, várias potências europeias lançaram-se ao mar em busca de novas terras. A França foi um desses países, trazendo muitos de seus valores e sua língua para o continente americano e para diversas outras partes do mundo. Historicamente, voluntária ou involuntariamente, temos uma visão eurocêntrica do mundo e, embora estejamos distantes da Europa em todos os sentidos, vivemos uma espécie de arremedo de sociedade europeia. É por isso que um atentado na França, um ataque à cidade-luz, deixa-nos sem chão. É inegável a importância do continente africano na formação da identidade nacional brasileira. No entanto, dentre as várias nacionalidades de escravos africanos trazidos para o Brasil nos tristes anos da escravidão, não consta a queniana. O Quênia sequer é banhado pelo Atlântico, o que talvez favorecesse, de alguma forma, seu campo de influência no Brasil. Uma tragédia num país pobre e periférico não gera tanto impacto. É como se as pessoas, embora não devessem, esperassem uma tragédia; ou, pelo menos, considerassem isso normal. Por outro lado, atentados em Paris, Londres ou Nova Iorque põem em xeque nossa falsa sensação de segurança. "Nossa, se estouraram Paris, o que será que poderiam fazer numa grande capital brasileira?"; "minha nossa, ano que vem tem Olimpíada no Rio!". Embora a vida de um queniano valha tanto quanto a de um francês, o nível de noticiabilidade de um atentado em Paris, capital do país mais visitado do mundo, é extremamente maior que um atentado em outro lugar, principalmente se esse lugar estiver fora do eixo "Europa-América do Norte". Portanto, é bem possível que continuemos a ouvir falar do Quênia somente na época da São Silvestre. O ativismo de rede social não é capaz de mudar isso, e tudo continuará parecendo mimimi, blábláblá e nhemnhemnhem. A imprensa continuará seu trabalho do mesmo jeito de sempre, com ou sem onomatopeias. Antes que falem da tragédia em Mariana, que é importantíssima e afeta nossa vida de forma muito mais direta, atentado terrorista é uma coisa e tragédia ambiental é outra. Não comparemos alhos com bugalhos, e tem muito veículo de comunicação bom e sério cobrindo todas essas tragédias. Je suis Paris não significa Je ne suis pas Mariana. As coisas não são binárias nem excludentes; o problema é que há muito pensamento raso travestido de complexidade por aí. As redes sociais que o digam.
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