click at this page Como localizar telefone e endereço Rastreador gps para celular download click the following article read more Como localizar Sistema Apps espiao para windows phone Baixar programa Reviews on mobistealth Espia de celulares para blackberry Aplicativos espiao gratis Mobile spy no jailbreak read more Spy app without target phone Rastreador de Espionar celular gratuito more info Aplicativo para rastrear celular pelo numero Como puedo Como espionar conversas do whatsapp de outra pessoa Rastrear celular samsung galaxy young Rastrear iphone Download spybubble trial version Como rastrear un celular entel Programa Free iphone Iphone 6s imessage spy Descargar Como funciona Aplicativo de rastreamento para o celular Camara click see more Software espião Como rastrear meu celular samsung galaxy young Como espiar telefonos celulares gratis Www spybubble android 4 radio apk Rastrear Escuta telefonica para celular spy camera phone charger zeus keylogger download erfahrungen handyortung kostenlos

Onda Latina

quinta
25.Abr 2024
As irmãs PDF Imprimir E-mail
Escrito por Jamil Alves   
13-Abr-2016

Minha tia quer ir a uma clínica. Quer morar em uma clínica especializada em idosos. Na verdade, minha tia-avó, a tia Maria.

Tia Maria nasceu em agosto de 1932, uma leonina típica para aqueles que creem em astrologia. Sempre teve fama de briguenta e geniosa, e toda a sua biografia vai ao encontro dessa tese.

Filha de uma família de imigrantes portugueses que chegaram ao Brasil em 1924, era a mais velha das mulheres. Antes dela, vieram três varões: Manoel, em 1914, José, meu avô materno, brasileiro, em 1924, e tio Aurélio, em 1927. Cinco anos depois nasceu Maria, dois anos antes de Flávia, a vaidosa tia Flávia.

casa_das_irmas_-_jamil_alves_-_int.jpg

Tia Flávia casou-se três vezes (duas, oficialmente). Da primeira vez em que foi casada, seu marido, Haroldo, que era considerado rico na vizinhança porque tinha um Fusca, a traiu. Não só tinha um caso com outra mulher como tivera com ela dois filhos gêmeos. Em 1962, quando foi descoberto o adultério e feito o desquite, os tais gêmeos já eram bem grandinhos. Não havia divórcio naquela época e, para uma mulher dita “de bem”, ser desquitada era algo bem difícil aos olhos da sociedade.

Flávia nunca quis ter filhos. Numa época muito mais machista que agora, foi o argumento de Haroldo para justificar a traição. No fim das contas, a situação acabou ficando como se, de certa forma, Flávia fosse a errada, a traidora. Onde já se viu uma mulher não querer dar filhos a seu marido?

Em 1964, um golpe militar pôs fim ao governo do presidente Jango, João Goulart. A liberdade foi varrida, direitos foram cessados, inocentes foram caçados. Humberto de Alencar Castello-Branco tornou-se presidente até 1967, quando Costa e Silva subiu ao poder. Porém a esfera política nunca pareceu afetar muito nem a vida de Flávia, nem a de Maria, embora tivessem amigos que, da noite para o dia, desapareciam. Isso não era, para elas, motivo de preocupação: viviam num mundo um tanto alheio aos grandes fatos.   

Já nos anos 70, Flávia conheceu Oscar, funcionário de um laboratório, que se apaixonou perdidamente por ela. Mesmo não podendo se casar (não havia divórcio e a lei não permitia um segundo casamento), Flávia se rendeu aos encantos de Oscar e então foram morar juntos num sobrado no bairro da Água Rasa, na região leste de São Paulo, um simpático distrito nas imediações da Mooca e do Tatuapé.

Tia Maria, que sempre foi chamada de “praga” por quase toda a família, nunca simpatizou com nenhum homem que se aproximasse da irmã. Várias vezes enredou a caçula em fofocas que geralmente rendiam surras e agressões de seu pai.

Quando o pai de Maria e Flávia faleceu – Seu Manoel, como seu primogênito –, Flávia morava com Oscar. O casarão da família, na Rua Coronel Quartim, no Tatuapé, ficaria para Maria e mais ninguém. Naquele tempo, no entanto, uma mulher morar sozinha era algo complicado, mal visto. Assim, Maria foi morar na casa do irmão Aurélio, na Vila Carrão. Porém as sucessivas brigas com a cunhada, Ana, com os sobrinhos e até mesmo com o irmão fizeram-na mudar de planos. Acabou indo morar com o irmão mais velho, também na Vila Carrão. Pelos mesmos motivos de brigas e intransigência, a estada de Maria na casa do irmão Manoel foi curta.

Outro problema foi que, nos meses em que ficou vazio, o casarão da família fora invadido. Com o pretexto de que a Textilha, empresa em que trabalhava, ficava na mesma rua, Coronel Quartim, tia Maria quis voltar para a casa do Tatuapé, mesmo morando sozinha. Com a ajuda de alguns amigos policiais, Manoel conseguiu que os invasores fossem expulsos e, a casa, desocupada e devolvida à família (qualquer esforço era válido para se livrar “da praga”). Nesse ínterim, Flávia e Oscar já viviam uma relação desgastada. Flávia abandonou o companheiro para voltar à casa do Tatuapé também, para fazer companhia à irmã.

A década de 80 chegou e a vida de Maria e Flávia continuou sem sobressaltos e até com algum tédio. Então apareceu o senhor Altino, que era tio de Cida, a vizinha da casa ao lado. Flávia e Seu Altino se conheceram num dia ensolarado em que ele fora visitar a sobrinha, e Flávia estava lavando o quintal de bermuda, botas de borracha e mangueira em punho.

Flávia e Altino casaram-se e viveram um tempo feliz numa casa alugada e charmosa no bairro de Santana. No entanto, com as sucessivas crises e planos econômicos da época, os dois acabaram indo morar com tia Maria, no casarão da família. Plano Cruzado, Plano Cruzado II, Plano Bresser, Plano Verão, Plano Collor, mas tia Flávia e tia Maria pareciam nem perceber os acontecimentos do país. Nunca foram politizadas, estavam ocupadas demais com ninharias e frivolidades, banalidades do cotidiano que lhes preenchiam o tempo.

Em 1988, Seu Altino, 23 anos mais velho que Flávia, resolveu fazer uma cirurgia de retirada de pedras na vesícula e acabou falecendo. A Flávia, uma Brasília bege de herança, no tempo em que uma Brasília não era um automóvel tão mau assim. Até bem pouco tempo, Flávia jurava que não tinha recebido um centavo sequer da venda do carro. Tomou calote de um parente de um vizinho.

Desde então, Flávia e sua irmã Maria vivem sozinhas. Nunca gostaram muito de gente por perto, provavelmente devido à mania de limpeza de ambas. Dava até um desconforto visitá-las: tinham um lar limpo, mas pouco acolhedor. Ficava claro para qualquer visitante ao entrar na casa delas que aquele não era o seu lugar e que ali não poderia ficar totalmente à vontade. Pouco a pouco, foram afastando todos os parentes de perto de si.

Só que, dia desses, semana passada, tia Maria ligou para todos os sobrinhos para dizer que tia Flávia não está bem; não se lembra de nada, diz coisas desconexas. Não tem nem mais o domínio pleno do corpo nem das necessidades fisiológicas. Tia Maria quer ir a uma clínica. Quer morar em uma clínica especializada em idosos, conforme já contei. Ela e Flávia, de quem alega não ter condições de cuidar.

No casarão bem conservado, agora, só o silêncio triste, a inexorável sensação do decrépito e do finito. Na rua de trás, sobre a casa, no horizonte, ergue-se o esqueleto de um arranha-céu, futuro lar das tantas Flávias e Marias vindouras.

Nos fins de tarde, pássaros dos mais diversos tipos voam e cantam, parecem querer fugir da balbúrdia insana das vias do entorno, da Celso Garcia e da Ulisses Cruz. Desejemos, pois, que algum deles eleve a Deus sua queixa contra as consequências das escolhas infelizes, das maldades da Terra – e que seja atendido. Porque os homens – ai de nós! – além de estressados estamos ficando cegos e surdos aos sinais que a vida nos dá.  

Atualizado em ( 13-Abr-2016 )
 
< Anterior   Seguinte >