Adiós, Brasil |
Escrito por Jamil Alves | |
11-Mai-2016 | |
É noite alta, Jean Antonie chega à rodoviária de São Paulo com poucos pertences e muitos sonhos: trocar o Atlântico pelo Pacífico, metaforicamente; ou, denotativamente, o Brasil pelo Chile, São Paulo por Santiago.
O Brasil, que era promessa de futuro para milhares de haitianos, está se tornando passado. "Não consigo mais pagar aluguel, água, luz e ainda por cima mandar dinheiro para a minha família no Haiti. As coisas aqui não são mais como eram quando eu cheguei", diz Jean num português fluente e ligeiramente afrancesado. O ônibus que o levará de São Paulo a Santiago chega, sua expressão de cansaço dá lugar a um sorriso tímido. Observo sua roupa, touca, jaqueta grossa, meias, botas. Penso cá com meus botões que o outono no Chile haverá de desafiá-lo. Se sente frio em São Paulo, em Santiago sentirá mais. O inverno, então, não é para os fracos. Não é fácil a adaptação ao clima para quem vem de latitudes baixas.A despedida de Jean me deixa um tanto atônito. É preciso necessidade e desprendimento para deixar sonhos, lugares e histórias para trás. Itens que me faltam, mas que, a Jean Antonie, sobram. O Brasil do futuro, naquele momento, começou a virar passado: mais uma página virada no livro da vida daquele haitiano ainda muito jovem aos 42 anos. O ônibus, gerigonça gigantesca de lata, começa a ganhar a estrada. É um veículo de frente vermelha e traseira branca. Na parte central, um desenho. Parece uma pomba estilizada, com tons de dourado e de um azul profundo que parece negro à luz da lua. O ônibus Pluna não pretende dar a volta ao mundo nem ganhar nenhuma corrida, mas apenas deslizar pela pampa argentina. Quanta coisa permitirá ver ao longo do trajeto? Quanta gente? Quantas Consuelo, Guadalupe ou Concepción encontrará e irá deixando pelo caminho? Pluna é a nova nau de Jean, do novo sonho que começa na saída do Terminal Rodoviário do Tietê. No caminho de volta para a casa, começo a imaginar os desconfortos da viagem, o interior argentino de planícies sem fim; a comida de qualidade discutível, as instalações precárias. À medida que nos vamos aproximando do Chile por terra, aproximamo-nos também da Cordilheira dos Andes - que nos lembra, impiedosamente, que somos pequenos. Ah, e como o somos! A partida de Jean Antonie do Brasil não é um fato aleatório, mais um fato simples e banal neste mundo de fatos inumeráveis. O país deixado para trás pelo simpático haitiano, que segue agora o caminho imigratório de outros compatriotas seus, é o Brasil que sonhou e acordou desiludido. É o Brasil que agora chora não só pelas oportunidades perdidas, que se lamenta não só pelo país que é, mas, sobretudo,pelo país que pôde ser e que agora está esmagado pela corrupção. O governo atual se diz de esquerda. No entanto, é bem verdade que, nestas terras, a corrupção está em todos os lados. O embate "direita X esquerda" é inócuo: esquerda e direita viram meras intrigas intelectuais que rodam em mesas de bar, sem aplicação na vida prática das pessoas. De esquerda ou de direita, cada vez conhece-se mais Ali Babá e menos Marx. Faz alguns poucos anos, este era um país de muitos sonhos. A economia crescia, os investidores estrangeiros nos sorriam sorrisos escancarados e cheios de dentes. Compravam-se muitas passagens aéreas, voava-se nos aeroportos, voavam em cada mente brasileira os sonhos de um país que parecia superar o ranço colonial, escravocrata, terceiro-mundista. E por falar em sonhos e em voos de avião, já não se voa - nem se sonha! - como antes. As companhias aéreas brasileiras cortaram mais de três mil voos na semana passada, e faz oito meses que a procura por passagens aéreas diminui continuamente. Tentamos voar, porém continuamos como sempre estivemos: desiludidos e ao rés do chão, viajando pouco e confiando no futuro menos ainda. Alta do dólar, queda do PIB, incerteza no cenário político do país, perda do poder aquisitivo da população. Voa-se menos, o horizonte está nublado. Voa-se menos, sonha-se menos. O Brasil deseja ser diferente, escapar às suas fatalidades. Enche-se de brilhos e de cores algumas vezes. Porém nossa corrupção, da política à cotidiana, são nossos balões que não sobem, luzes que não brilham, estrelas que jamais estiveram no céu. Nossa corrupção é nosso mal, nosso "jeitinho brasileiro" é nosso terremoto - o segundo terremoto que Jean Antonie vai tentando deixar para trás, agora a bordo da gerigonça gigantesca de lata. Que Pluna o leve e lhe guarde a delicadeza de seus sonhos. ¡Qué te vaya bien en Chile, Jean! |
< Anterior | Seguinte > |
---|
Início |
Nossa Onda |
Música Latina |
Colunistas |
ETC |
Comes & bebes |
Sons & Shows |
Telas & Palcos |
Letras e livros |
Última página |
Contato |
Newsletter |
Receba as novidades da Onda Latina no seu e-mail. |