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Onda Latina

quinta
18.Abr 2024
Juízo final PDF Imprimir E-mail
Escrito por Jamil Alves   
22-Jun-2016
orlando_2016_-_franklin_valverde.jpgDuas da manhã. Trezentas pessoas. Um rifle e uma pistola. Ainda era madrugada de domingo quando Christine foi para a porta do hospital à procura do filho. "Eu não sei se atiraram nele, se ele está morto. Ninguém sabe!". A resposta que Christine buscava só chegou na manhã seguinte: seu filho, de 32 anos, foi uma das vítimas de Omar Mateen, o atirador de Orlando.

O celular de Mina Justice começou a receber mensagens às 2h06 da madrugada. "Mãe, eu te amo". "Tem um tiroteio no clube". "Estou preso no banheiro". Meia hora mais tarde, mais mensagens: "Liga para a polícia". "Ele está no banheiro com a gente". "Eu vou morrer". Eddie, de 30 anos, foi mais uma vítima fatal.

Os frequentadores da boate Pulse eram todos muito jovens. Os sobreviventes mal conseguem acreditar no que viveram, e outros cinquenta seres humanos perderam a vida no pior atentado da história dos Estados Unidos, um país onde é mais fácil comprar armas que medicamentos. Um paradoxo num mundo tão doente e louco.

Já tive medo da morte, mas hoje o que tenho é uma enorme tristeza. Viver é tão bom que deixar de viver parece uma mão divina ou uma força regente maior nos sacaneando, tirando a gente da festa antes de servirem o champanhe. Se já é assim quando se morre por contingências naturais, como será para aqueles que têm sua vida precocemente ceifada por um insano qualquer? Pensar nisso me dá uma dor que me corrói todo por dentro.

Cecília Meireles sentia algo parecido: "E eu fico a imaginar se depois de muito navegar a algum lugar enfim se chega... O que será, talvez, até mais triste. Nem barcas, nem gaivotas. Apenas sobre humanas companhias... Com que tristeza o horizonte avisto, aproximado e sem recurso. Que pena a vida ser só isto...".

Quando uma barbárie como essa da Flórida acontece, o que pensar, aonde ir buscar esperança? Como pode alguém achar que está fazendo algo de bom, em nome de Deus ou do que quer que seja, matando filhos, irmãos, namorados, amigos - gente, enfim? Quantas inumeráveis infelicidades moravam naquela criatura com rifle e pistola? Que absurdo pacto sinistro terá feito - e sabe-se lá com quem?

Estamos socialmente doentes. O técnico de farmácia Stanley Almodóvar, de 23 anos, foi mais uma vítima do atirador. Sua mãe contou que preparou um lanche e o guardou na geladeira para o filho comer quando voltasse da danceteria. O lanche ainda está lá. Em qualquer rincão deste mundo, enquanto sobrarem lanches como o de Stanley nas geladeiras, nós todos continuaremos doentes e muito vulneráveis.

A vida e a morte não são contrárias, são irmãs; mas andam se estapeando demais, e a vida está levando a pior. Passado o choque inicial, o terror dos noticiários da boate americana se converte em um misto de piedade e de impotência. É a vida, combalida pela irmã, nos anestesiando aos poucos.

 

 
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