Cristal partido |
Escrito por Jamil Alves | |
03-Ago-2016 | |
Saio do meu estado
letárgico das férias para voltar à vida normal. A letargia só teve alguns
sobressaltos causados pelos choques dos noticiários, e a saída do Reino Unido
da União Europeia, processo que ficou conhecido como Brexit, foi para mim o
fato mais marcante (falo da política, pois nada pode ser mais chocante que o
massacre com o caminhão em Nice, na França). Em muitos momentos da história, povos e nações foram movidos por desejos imperialistas (quem pode se esquecer de que, no século XIX, o sol nunca se punha no império britânico?), de expansão, de separatismo e de união. Neste último caso, costuma dar errado quando a integração econômica se dá antes e se sobrepõe à união política. Parece ser esse o caso da União Europeia.
Minha amiga Liliane Lemos
(Lili, difícil esse negócio de te chamar de Liliane, viu?) mora na Inglaterra
com seu marido italiano há alguns anos e me contou fatos interessantes a
respeito do que está na base dos acontecimentos do Brexit.
Jamil, desde que chegamos aqui,
pudemos perceber que já havia no ar um grande desconforto quanto ao número de
imigrantes em muitas cidades, principalmente em Londres. Virava e mexia, víamos
grupos, que se autodenominavam nazis, fazendo algum tipo de idiotice como
agressões ou pichações em alguns bairros.
O que me parece claro é que muitos
britânicos já não reconhecem o bairro onde nasceram, principalmente as pessoas
mais velhas. Muitos lugares estão perdendo a identidade britânica e
convertendo-se em uma fusão de culturas. E, quando o tema é identidade e
ideologias, aguenta que vem fogo, são questões que estão para muito além dos
motivos meramente econômicos.
O resultado do plebiscito não nos
surpreendeu. Converso com todos os tipos de pessoa e era evidente que isso iria
estourar. Nós temos um casal de amigos que votaram Leave (sair). Eles nos
disseram que o país está saturado, que não cabe mais ninguém. Eles não são
xenófobos nem pessoas horríveis, acho que eles têm certa razão e, ao mesmo
tempo, não têm. Afinal, aqui se reclama da imigração, porém os britânicos não
querem os empregos mais braçais, mais simples, que são, quase invariavelmente,
feitos por estrangeiros.
Esse
resultado pode dar uma falsa ideia de antipatia, de que é coisa de país
desenvolvido que se sente superior aos demais. No entanto, duvido que o
resultado no Brasil seria diferente se houvesse uma consulta popular
semelhante. Bastou o governo abrir vagas para médicos cubanos que a população
cuspiu imediatamente que não havia empregos suficientes nem para os
brasileiros. Pois bem, qual médico está disposto a ir trabalhar em “Xiririca do
Alto” ou no “Baixo Não Sei Onde”?
A
questão da soberania britânica também foi um ponto crucial: acostumada em ser
um império, especialmente a Inglaterra se viu obedecendo a regras que não
queria, pagando os impostos à União Europeia e não vendo muito progresso. Por
aqui, não se fala em outra coisa na tevê e nos jornais. Parece que, no fundo, essa
união só serviu para que todos imigrassem, para que fosse mais fácil um europeu
pular de um país para outro sem tantos empecilhos. Some-se a tudo isso a
campanha do Remain (permanecer), que
foi bem fraca.
Também
é preciso dizer que esse trânsito de pessoas é conflitivo com estes tempos de
terrorismo tão ostensivo. Lili trabalha em esferas ligadas ao governo, sinal de
celular bloqueado, tudo muito protegido por causa de espiões e de possíveis bombas.
Meio “filme de James Bond” o ambiente. É possível, e até bastante provável, que a União Europeia continue a se fragilizar e que um dia venha até a acabar como um cristal partido. No entanto, é difícil antever a natureza dos fatos que irão ocorrer até então. De qualquer forma, o Brexit sacode agora não só a Europa, mas o mundo inteiro. Em nenhum lugar se sabe se é melhor se juntar a grupos, se isso dá mais força a uma nação, ou se, ao contrário, encontra-se no separatismo e no protecionismo a chave da salvação dos destinos de um país.
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