A língua das mariposas, o retrato de um país dividido |
Escrito por Humberto Pereira da Silva | |
24-Jul-2017 | |
A guerra civil espanhola (1936-1939) foi um dos acontecimentos mais traumáticos e de contornos simbólicos do século passado na Europa (às portas da Segunda Grande Guerra, revela o extremo de radicalismo e as fortes paixões ideológicas naquele contexto histórico conturbado). Serviu, pois, de motivo para obras literárias memoráveis, tanto quanto de vasta produção cinematográfica. Escritores como Ernest Hemingway e George Orwell deixaram páginas marcantes sobre a guerra; das páginas desses escritores, em momentos históricos distintos, dois filmes emblemáticos: a visão hollywoodiana do conflito em Por Quem os Sinos Dobram? (Sam Wood, 1945) e o olhar engajado em Terra e Liberdade (Ken Loach, 1995). Entre os grandes diretores espanhóis que se voltaram para o tema, destaco o sarcástico e controvertido Luis García Berlanga, que em 1985 legou a sátira La Vaquilla, e o alegórico Carlos Saura, com seu !Ay, Carmela!, de 1990. Assim como Berlanga e Saura, José Luis Cuerda se volta para a infausta conflagração e em 1999 realiza A Língua das Mariposas. Nenhuma novidade, claro, que somente após a queda do regime franquista, estabelecido ao final da guerra, o cinema espanhol pode tratar desse tema que deixou marcas profundas na mentalidade espanhola; ou seja, apenas a partir da década de 1980 o cinema espanhol retratou a realidade daquele momento marcado por ódio intenso e que dividiu a Espanha em nacionalistas (fascistas) e republicanos (comunistas).
A língua das Mariposas aborda fundamentalmente a simplicidade de pessoas num ambiente rural que, subitamente, são confrontadas com uma realidade perturbadora: assumir posição sem qualquer concessão ou matiz num cenário de guerra – a escolha determina não só uma improvável consciência ideológica, mas principalmente a garantia de, estando na posição certa, não correr o risco de ir para o paredão. O menino, em sua ingenuidade infantil, é educado por um velho professor com ideias libertárias. No ambiente doméstico, contudo, tem na mãe o espelho da conservadora Igreja Católica, que terá papel capital na consolidação do regime franquista com o término da guerra.
A narrativa de A língua das Mariposas é clássica. Os eventos seguem uma ordem previsível e que prende a atenção do espectador. O menino e o ambiente escolar, em sua relação com os colegas e o professor; o menino e o ambiente doméstico, em sua relação com pai, alfaiate, o irmão mais velho, músico, e a mãe; o menino e seu dia a dia em contato com a natureza, com uma paixão infantil, com brincadeiras, descobertas e celebrações festivas locais. No modo como a narrativa é conduzida, as tensões políticas e o clima carregado que opõe fascistas e comunistas é posto ao fundo, de forma indireta, como se algo estivesse represado e pronto para explodir. E assim, os acontecimentos prosaicos vividos pelo menino são exibidos sem que se tenha no horizonte a tragédia que está por acontecer.
Humberto Pereira da Silva é crítico de cinema, professor universitário e autor de Ir ao cinema: um olhar sobre filmes (Musa Editora) e Glauber Rocha - cinema, estética e revolução (Paco Editorial). |
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Atualizado em ( 24-Jul-2017 ) |
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