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Onda Latina

terça
23.Abr 2024
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Por onde andará Paulo Francis? PDF Imprimir E-mail
Escrito por Umba Hum   
24-Fev-2020

capa_do_livro_a-segunda-profisso_-_paulo_francis_-_reproduo.jpgA polarização político-ideológica no país, que se acentuou com a recente eleição presidencial de Jair Bolsonaro, deixa muitas vezes a sensação de suspenção do desafio da compreensão inteligente do mundo. Fato sintomático dessa sensação é a indicação ao Oscar do documentário Democracia em vertigem, de Petra Costa. Os ataques ao filme, vindos do próprio presidente ou de seu filho, Eduardo, parecem expressar um retorno às trevas, com insultos irracionais a qualquer padrão mínimo de vida inteligente.

 

Nem sempre foi assim. Houve tempo em que posições agressivas nos extremos do espectro político incomodavam, mas não caiam no obscurantismo, nem faziam apologia à ignorância. Foi o tempo em que viveu o jornalista Paulo Francis (1930-1997), que marcou época pela virulência com que atacava a esquerda política, tanto quanto exibia refinados conhecimentos em diversas áreas da cultura. E assim podia seduzir simpatizantes da esquerda, como se pode ver no texto a seguir, escrito por mim, surpreendido pela morte de Francis exatos vinte três anos atrás.

***

Paulo Francis morreu. Jamais senti a morte de personalidade do mundo das ideias como essa. Passei a noite ruminando o acontecimento, tentando recompor mentalmente seus últimos instantes e, talvez, seu medo diante do inexorável. Em alguns momentos, mentalmente, senti uma sensação de desconforto ao trazer à memória a imagem que vi pela TV: seu corpo sendo carregado para um necrotério de NY.

Acontece que Paulo Francis me era uma figura doméstica, com a qual tinha encontro marcado todas as quintas e domingos. Leio-o regularmente há aproximadamente dez anos, desde quando ele escrevia no jornal Folha de S. Paulo (Francis morreu repentinamente de ataque cardíaco, e na época assinava coluna de página inteira no jornal Estado de S. Paulo). De início, suas posições em geral me davam asco. Meu interesse pela leitura de seus escritos foi despertando principalmente pela arguta cobertura que fez da vitória do democrata Bill Clinton, e não pela sua famosa coluna, Diário da corte. Isso ocorreu há pouco mais de quatro anos (a referência aqui é à eleição presidencial de 1992, que opôs Clinton e a tentativa de reeleição de George W. Bush). Desde então tomo esses encontros semanais como uma forma de sorver um pouco daquilo que Maquiavel chamou “encontros com os sábios da antiguidade”. Quando estava no exílio, o pensador florentino escreveu uma carta ao amigo Francesco Vettori. Nela narra seu cotidiano com toscos camponeses durante o dia e, à noite, com Virgílio, Heródoto, Políbio, em seu gabinete de trabalho.

Passei a ter então com Paulo Francis encontros nos quais me regalava com seus comentários sobre literatura e cinema. Com eles aprendi mais sobre essas diversas formas de expressão do que nos diversos cursos que frequentei. Por meio de seus escritos, tomei conhecimento de dados pitorescos sobre a origem dos Divers, de Tender is the night, de Francis Scott Fitzgerald. A partir da leitura de Diário da corte, fiquei sabendo da existência da revista de variedades Vanity Fair, da literatura de Doroty Parker, de Zelda Fitzgerald, de críticos como Edmund Wilson e Lionel Trilling. Com certeza, sem lê-lo teria impressão bastante diversa da que tenho sobre autores tão diversos como Ernest Hemingway, Aldous Huxley, Evelyn Waugh, Edith Warton, Henry James, Ruth Rendel, Bernard Shaw, Melville, J. Conrad – “O horror! O horror!”. Li com olhos atentos Heart of darkness...

Não bastasse a influência literária, passei a ler com entusiasmo seus comentários mordazes sobre cinema. Para mim, alguns filmes, como The big sleep, baseado em Raymond Chandler, e Sonata de outono, de Ingmar Bergman, passaram a ter significado especial após ler Paulo Francis. Sobre o primeiro, diz que o diretor, Haward Hawks, não percebeu que Philip Marlowe, interpretado por Humphrey Bogart, é um herói assexuado, pois achava as mulheres corruptas... Para cotejo, basta ler o livro na tradução em língua portuguesa, O sono eterno, e aferir a sacada de Francis. No filme, Bogart tem um caso com Lauren Bacall... Já sobre o segundo, diz que Bergman propicia, com Liv Ulliman, a maior aula de piano que se tem nota no cinema. Sobre Bergman, ainda, Francis o considerava o único diretor de cinema que elevou o ofício à categoria de arte, o resto faria só entretenimento. É um exagero, mas ele tem em vista que pensar em arte é trazer à mente Rembrandt, Mozart, Shakespeare... Cinema é para ele extensão de nosso narcisismo projetado na tela, o prazer de nos vermos, ou ver nossos semelhantes. Cinema é charme. Ao falar de Jules e Jim, de Truffaut, indaga: Quem não amou Jeanne Moreau?

É interessante, como é interessante lembrar o furor causado por Brigitte Bardot quando visitou Buzios. Buzios, Coté D´Azur, cinema, nouvelle vague, charme... Não imagino que Francis seja original a esse respeito, mais serviu para eu olhar o cinema como forma de expressão que extrai da vida e do mundo um ar de fantasia, de alheamento inteligente sem as pretensões de um grande romance... ou que há enorme risco de falhar quando se torna demasiado pretencioso.

Continuei a não lhe dar tanta atenção no que se refere às suas posições políticas ou sobre comportamento em geral. A esse respeito, lia-o com desconfiança. Acho que forçava a barra, fazia comentários maldosos; não dava a sensação de que, como Elio Gaspari ou Jânio de Freitas, tinha boas intuições e senso de humor sobre o mundo político. Sabia muito no atacado, mas no varejo seus comentários eram inócuos.Mas, é preciso reconhecer, mesmo errando, ou fazendo afirmações indiscretas sobre política, punha a cara a tapa, era dotado de uma ousadia e de uma apreensão jornalística pouco comum das informações que tinha (pouco antes de morrer, pesava sobre ele um processo por ter afirmado, no programa televisivo Manhattan Connection, a existência de corrupção na Petrobrás...). E, quanto às suas opiniões sobre comportamento, mesmo provocativas e desonestas ao se referir a nordestinos, árabes, orientais, latinos, homossexuais..., não há como não notar que, por trás da mordacidade, se escondia um alerta: é preciso fugir ao nonsense, à ortodoxia, ao espírito de rebanho, aos dogmas. Oscar Wilde e Virginia Woolf foram grandes escritores não por terem sido homossexuais, assim como Jane Austen não por enfatizar o universo feminino numa sociedade tradicional, mas por tratarem temas e inquietações universais. Da mesma forma, Rudyard Kipling, autor de Kim, não deixa de ser um grande escritor por celebrar a superioridade do imperialismo anglo-saxão, L. F Celini por se antissemita; J. L. Borges deve ser lido, apesar de ser anticomunista, tanto quanto Trotsky ou Kautsky, apesar de serem antiburgueses. Só um filisteu para não se dar conta...

A notícia da morte de Paulo Francis me surpreendeu. Como é possível um cara com o qual tive encontro domingo último desaparecer de forma tão rápida? Nas suas colunas recentes, comentou sobre a morte de Antônio Callado, a de Edmundo Moniz. Agora foi ele (os três morreram num intervalo de duas semanas, e as referências a Callado e Moniz, identificados à esquerda, dão o sentido de que para Paulo Francis o prazer do debate, o respeito à inteligência, atravessa os humores ideológicos); com ele, vai um pedaço inteligente do Brasil, uma parte polêmica e instigante de nosso universo cultural.De todos os colunistas culturais, Paulo Francis é o que mais marcou minha maneira de olhar a cultura desse final de século. É chato saber que ele não verá a aurora do milênio vindouro.Non multa sed multum (não muitas coisas, mas algo muito importante)

São Paulo, 05 de fevereiro 1997.

Foto: Reprodução da capa de “A segunda mais antiga profissão do mundo”, de Paulo Francis (Três Estrelas, 2016, 408 páginas).  
Atualizado em ( 24-Fev-2020 )
 
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