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Onda Latina

quinta
28.Mar 2024
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Escritos para o amigo Carrasco PDF Imprimir E-mail
Escrito por Umba Hum   
01-Mai-2021

amigo_-_franklin_valverde.jpgNaquela tarde não havia muito que fazer. Ou, como de hábito, estava só, com seus pensamentos, pois seus afazeres profissionais haviam sido concluídos. Fazia frio, apesar de a primavera ter já avançado alguns dias. A madrugada registrara 10º C. No inverno, naquele ano, não houve tantos dias com temperatura inferior e em poucos dias chegaria o horário de verão – nunca tinha certeza se o relógio adiantava ou atrasava uma hora. Acabara de ler Canto Geral, de Pablo Neruda, na tradução de Paulo Mendes Campos, numa edição do Círculo do Livro, e ficou fuçando arquivos no computador com escritos do passado, correspondência com amigos. Escreve muito e não organiza suficientemente os escritos. Entre as notas espalhadas por todo canto da casa e da memória do computador começou a ler... 

 

“Acho, sinceramente, que você deveria guardar esse tipo de escrita na gaveta ou apenas mostrar para amigos. Você não pode negar que sua escrita denota certa ambição literária. Não digo que não gostei d'A justiça do escuro; não cabe comentar o conto da Flávia Padeti, sua amiga de encontros na Livraria Apharrabio, senão para dizer que a ambição dela é fazer pastiche da Clarice Lispector. Li e gostei d'A maçã no escuro; é o principal romance da Clarice e, pra mim, um dos grandes em língua portuguesa no século XX. Tá claro que a Flavia é jovem e que sua ambição talvez se modifique e ela possa querer ser uma escritora sem emular a Clarice. Como brincadeira, tá de bom tamanho que a Flavia exercite e exiba sua escrita na revista Loquens. De outra monta é a ambição d'Aldeia (há um quê de Fernando Pessoa no título: ‘O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia...’; mas não é disso que eu quero falar): esse conto foi escrito por você, Carrasco, um rapaz de 27 anos que estudou Filosofia, faz doutorado sobre os antigos... Não é um texto ingênuo, pueril, como o da Flavia. E é aí que a coisa pega: a Loquens, a revista que você edita e publica contos e poemas de seus amigos, não é lugar para o exercício da escrita de um texto como o da Aldeia, caro Carrasco! Se sua ambição é tornar-se um escritor, não se afobe publicando coisas que estão nos primeiros passos. Você estará correndo o risco de sofrer críticas desestimulantes. Pense bem, a não ser que A aldeia não passe de gozação, eu não entendo seu conto senão como um passo ambicioso no sentido de um projeto de escrita ficcional. Ocorre que é o tipo de escrita difícil; num terreno minado. O Rubens Rodrigues Torres Filho, seu professor na Filosofia, se meteu a fazer poesia e recebeu todo tipo de crítica; o Paulo Francis foi um grande jornalista cultural, mas quis tornar-se o Anthony Burgess brasileiro, resultado: seus romances são uma bosta! Recentemente o Luís Antônio Giron (que já foi jornalista cultural na Folha..) lançou um romance (li uma crítica ao livro na revista Cult); e, em seguida, teve de montar um arsenal para se defender de críticas arrasadoras (eu li as respostas do Giron - houve réplicas e tréplicas - na mesma revista Cult). Eu poderia citar um cem número de romances lançados e destruídos pela crítica. Há muita gente escrevendo por aí. A ambição de ser escritor precisa ser bem pensada. Veja bem, para escrever ficção é preciso um amadurecimento e um preparo muito grande para a desconfiança dos leitores. No plano estritamente literário, eu não posso dizer muito; a não ser que você precisa escrever bastante para que eu possa formar uma opinião sobre seu estilo, seu amadurecimento, sua narrativa, a temática etc”.

A correspondência com o Carrasco era do tempo em que na internet só havia troca de emails. Guardou muita coisa, ou muita coisa sobrou. Sempre que operava limpeza do outlook tinha cuidado para não deletar a correspondência com amigos com quem tinha apreço. Assim, guardava no arquivo do computador o que escrevia para ficar lendo em seguida. Tinha também muita coisa manuscrita, que depois reescrevia no word. Sem pretensão além de saber que escrevia. Chamava-lhe a atenção a incrível capacidade de preencher um papel em branco. Muitas vezes se retinha no estacionamento da faculdade onde dava aula e se mantinha horas e horas escrevendo num caderno de anotações que sempre tinha em mãos. Os assuntos variavam: notas pessoais, algum acontecimento que merecesse registro, um rosto que despertou atenção, alguma lembrança. Entre os diversos escritos que encontrou naquela tarde...

“Na carta de agosto eu procurei te dizer que eu gosto de escrever, gosto de ser lido, gosto que aquilo que escrevo seja comentado. Mas, principalmente, eu procurei dizer que não me sinto muito à vontade quando releio o que escrevo. Aquilo que escrevo me cansa e me deixa entediado. Quer dizer: há um misto de vaidade e melancolia. Agora, de fato, eu também penso na escrita como uma arte secreta. Apenas meia dúzia de pessoas se mostra merecedora da glória de percorrer os caminhos fechados do conhecimento que se expressa por meio de sinais gráficos. Eu penso, sinceramente, numa sociedade secreta, na qual se possa escrever, sem medo, aquilo que se pensa e que o julgamento leva em conta as qualidades ou defeitos do que está escrito. De fato, não me agrada nem um pouco saber que quem quer que leia o que escrevo não tenha iniciação para descortinar figuras, alusões elipses, hipérboles, metáforas, sinedoques, anacolutos, hiperbatos... É muita presunção? Sim, mas eu, como você, caro Carrasco, lemos Nietzsche; não dá pra ficar brincando com a escrita. Ecce Homo, é uma espécie de caminho das pedras; História das minhas calamidades de Abelardo não é livro a ser lido como se fizéssemos parte da canalha que se diverte vendo jogos no computador; As Confissões de Rousseau é dinamite. Não é do peso da escrita que eu tô falando, é da dificuldade para escrever sem artifício, sem andaimes. Quando eu noto que estou escrevendo como um bêbado ou um indigente, eu caio em melancolia e sinto forte compulsão para rasgar as bobeiras que escrevi. Até os 25 anos eu escrevi muita poesia. Algumas críticas indiretas bastaram para que eu incinerasse tudo. Não restou nada. Até os 30 anos eu escrevi muita coisa em diário; creio que apenas 10% do que foi escrito ainda existe. Como eu te disse na carta de agosto, apesar de tudo, eu escrevo quase todo dia. Na memória deste computador, só de cartas, tem material para um livro caudaloso. São coisas que escrevi nos últimos dois anos. Essas páginas existem hoje, mas podem perfeitamente deixar de existir. E isso não seria a primeira vez.

Remexendo a correspondência para o amigo Carrasco, se deparou com um escrito para sua companheira. Ela faz o tipo dondoca, sem interesse por literatura, passa o tempo fazendo compras, sem qualquer preocupação sobre como o dinheiro aparecia. O cartão de crédito e a informação de que podia gastar sem medo lhe bastava.  Ela passava os olhos para o que ele escrevia e não dava muita atenção. Nada além de uma visada e logo voltava ao cotidiano. Via TV, a programação de seriados americanos, Sitcons, seus canais preferidos são... Mas, na correspondência para ela, escritos que não tiveram respostas, intitulados Pensés... :

“Psicopatologia da vida quotidiana. Muitos entendem que ‘ato falho’ ocorre quando trocamos nomes inoportunamente. Diante da amada, o amante pronuncia o nome de outra no ato de amor, rapidamente percebe a falha e fico enrubescido. É assim que Freud pensava: ‘ato falho’, ‘lapso língua’, ‘chiste’ ocorrem quando alguém expressa o que sente inconscientemente de uma maneira que a consciência reprimiria. Boa parte da leitura psicanalítica freudiana e lacaniana se dá a partir do que se diz e se faz sem ter consciência dos efeitos. Inconscientemente, depois do banho, a amada pede ao amante a calcinha, com voz terna ‘amor, pega minha calcinha!’; para ele, uma forma de erotismo, para ela, uma forma de dominação. Isso é um exemplo de ato falho; um exemplo de chiste? Terna, sem que tenha calculado, ela exerce domínio sobre ele”

... pausa! continuar... mais uma pausa... Ele então lê uma nota de seu caderno de anotação, que ainda não havia passado para o word. “No trem infétido seis horas da tarde, antes da chegada à estação da Sé, todos suados, o odor terrível, o rosto gordurento, no buraco do cu, na cabeça do caralho, nas brechas da buceta líquidos se misturam com pêlos, retidos na pele pelas vestimentas... Mash, Valiseire,... pausa! pausa! na podridão do corpo uma cabeça, na cabeça um cérebro, no cérebro??? Quem pode dizer, talvez, melhor em nenhum lugar no espaço e no tempo uma consciência... nada mais abjeto do que fornicar, nisso a animalidade em estado puro: confronto de poder, movimentos estranhos, cansaço, um espasmo e, nada mais que um rito barulhento e boçal. Belas leituras de Sacher-Masoch... o frio e o cruel: ‘a natureza dotou o homem de paixão, e a mulher, que não souber submetê-lo, fazer dele seu escravo, seu brinquedo e, ao final, traí-lo com um riso estampado no rosto, não será mulher inteligente’. Quem não ler Vênus das peles não sabe nada além da existência de uma palavra: MASOQUISMO... e com ela, sem significado, corpos que andam em trens nos dias quentes e fedorentos, corpos que se bolem, se viram na cama e no mato...” Assim, deixando de lado o caderno de anotações, em algum momento ele se põe a refletir após passar os olhos por Sacher-Masoch, que retira da estante, na edição da L&PM, tradução de Renato Zwick . “Há dias falta me faz a leitura de Sacher-Masoch...; mas, num mundo tão vitoriano...”; pausa!... mais uma pausa... continuar... continuar a remexer os arquivos.  Mais um escrito para o Carrasco...

“Talvez haja grande diferença entre nós no que se refere à publicação do que escrevemos. Houve, então, uma espécie de extrapolação; eu acabei tomando minha própria experiência pra falar d'Aldeia. De qualquer modo, eu acho que você tá seguindo um caminho: o da escrita ficcional. Independentemente de qualquer percalço, eu o incentivo a continuar escrevendo. Há algo que te liga à literatura, à prosa ficcional, que pode ser aprimorado (afinal, creio que n'Aldeia estão seus primeiros passos). Ou seja, a partir do texto (d'Aldeia) não entendi que o autor daquelas linhas não tenha a pretensão de ser um escritor. Mas, insisto, eu tenho uma opinião rígida quanto à publicação. Daí que, quase sempre, você pode encontrar em meus rabiscos algo que possa ser catalogado como deboche, ironia, sarcasmo. No fundo, eu não vejo como algo sério uma suposta vocação para escritor; apesar de escrever praticamente todos os dias.”

Ele, de fato, nas observações que fazia ao amigo Carrasco, refletia sua própria insegurança. Talvez tivesse de si mesmo um ar muito superior com respeito ao que escrevia. E tratava com certo despeito quem, em situação similar a dele, praticasse a escrita. As observações, então, eram menos dirigidas ao amigo Carrasco que a ele próprio. Como se tivesse no amigo Carrasco um confessor para suas fragilidades, seus medos, temores, incertezas. Mas é certo também que ele admirava o amigo Carrasco, que via ousadia no gesto de editar uma revista, Loquens, com publicações que seriam lidas talvez com vontade duvidosa por um ou outro, uma revista que, quem sabe, estimularia um ou outro, num ato falho, a dizer que aquilo era uma porcaria, uma perda de tempo, que não podia ser levada a sério por alguém com um dedo de seriedade. Admirava ainda no amigo Carrasco o impulso para se expor ao escarnio, mas que deixava impresso o que deixava de lhe pertencer, e ao tornar público o que eram suas agruras acenar para uma possível comunhão com alguém de quem jamais esperaria. Sim, pois a postura misantropa dele, retendo seus escritos, o afastava de um gesto de generosidade que podia ter por alguém que seria afetado pelo que escrevia. Antes do cair da tarde teve tempo ainda de ler a seguinte nota:

Leitura é aquilo que fica; e que nos possibilita servir de guia em nossas condutas, ou ao menos um bom papo com os amigos. Fiquei chateado por você não ter se lembrado que o Dr. James Shepard, o próprio narrador, matou Roger Akroyd. Nos ciclos literários, esse é o romance mais comentado da Agatha Cristie, justamente por causa dessa charada; e eu fiquei chateado porque você leu e esqueceu do principal. Como disse, se o que lemos não fica, é porque não nos é importante; e, se não nos é importante, não valeu a pena ter lido. Mas, se você concorda comigo, só posso lhe dar um conselho: o que quer que leia, leia com atenção; leitura perdida é perda de tempo. Vá novamente ao romance, você verá com que sutileza o Dr. Shepard aparece como o assassino de Roger Akroyd.”

Esta nota foi escrita depois de uma conversa com amigo Carrasco, que gosta de literatura policial. O amigo Carrasco lia romances policiais para desvendar o crime. Claro, claro... às vezes vê-se um filme para ver imagens, mas nem sempre... Antes de parar de fuçar os escritos que ficaram no passado, pensou no amigo Carrasco, que escreveu o conto A aldeia e compulsivamente o publicou em sua revista. “Faz já mais de dez anos que essas coisas foram escritas. Meu amigo Carrasco, hoje, é professor de Filosofia na Universidade de São Paulo... Suas aulas, muito procuradas pelos jovens, versam sobre os antigos... Escreveu uma tese sobre Isócrates, o patrono da Escola de Oratória de Atenas, que rivalizava com a Academia de Platão. Seus escritos ficcionais? Se apagaram tão logo a Loquens deixou de existir”. O sol começava a ser por. A noite seria tão gélida quanto a anterior. Deixando os arquivos de lado, ele pegou seu caderno de anotações e se pôs a escrever.

“Li esses dias Beawulf, A Saga dos Nibelungos, O Canto Geral, de Pablo Neruda, alguns poemas de Castro Alves, Une Saison en Enfer, de Rimbaud, Panamérica, de Jose Agripino de Paula, contos de Júlio Cortázar, 2666, de Roberto Bolaño... Analetos, de Confúcio, Tao de King, de LaoTse, Bhagavad-Gita, O Espírito do Zen, Shodoka, O canto do Satori imediato, A arte cavalheresca do arqueiro Zen, Dan Brawn, O Símbolo perdido...Leituras, leituras, leituras... apenas leituras. Nada além de papel impresso pela tipografia inventada por Gutenberg. No momento gostaria de ter tempo para saber dos hábitos e costumes dos Cazacs, dos Uzbiques e dos Inuítes e como deve ser a vida em Ushuaia, a cidade mais austral do mundo ou nas ilhas do Pacífico sul.”  

 

 Ilustração: Amigo – Franklin Valverde

Atualizado em ( 01-Mai-2021 )
 
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