Estada em Ilhabela |
Escrito por Umba Hum | |
07-Mai-2021 | |
Está em Ilhabela, onde pretende ficar alguns dias no período de férias. A pousada, de nome Ananas, é legal. De uma rusticidade que muito aprecia. A construção, numa escarpa. O quarto em que se acomoda, está a aproximadamente 15 metros do nível da rua. A medida de altura, contudo, é enganada pelos sentidos. Assim, tem igual sensação de que está a não mais que 40 metros da rua. Isso quer dizer, está num ponto alto, de onde pode ver a rua, que a rua contorna a orla. Tem, portanto, diante dele o mar. E pode ver que as águas marinhas não se estendem até o horizonte. Muito recortada a ilha, tem à frente, separada pelas águas uns 6 ou 7 km, um conjunto de elevações montanhosas e sua vegetação atlântica. Sendo separada pelo mar, a outra margem desponta como paisagem que fecha a pousada, isolando-a. E assim, isolado, vê o que está nas águas, enganado pela distância, pequenos barcos a motor a lhe lembrar a presença humana.
Acha que o editor está lhe dando um chapéu? Acha que sim. Acha sinceramente que está fazendo papel de besta. No melhor cenário, o cara não sabe o que quer. Ou gerou expectativa maior do que poderia cumprir. Está, de qualquer forma, desapontado com ele. Sente como se estivesse num jogo de esconde-esconde. Tem esperança mínima de que seu livro sobre pintores impressionistas franceses seja publicado. A conversa com o editor foi afável. Ele lhe prometeu publicar o livro. Recebeu os originais e lhe escreveu: “vamos tocar pra frente...”. Ele, é certo, é muito desconfiado, talvez porque tenha visto muito filmes de espionagem, tenha ficado com um espírito que vê maquinações em toda parte. Imagina que o editor, por não conhecer suficientemente pintura francesa, não aposta no livro. Acha sinceramente que o editor quis fazer média, ou empurrar com a barriga até ele esquecer ou se tornar inconveniente com a insistência. Pela mesma editora ele já havia publicado três livros e supõe que, com vendas irregulares e nunca suficientemente informadas, o editor estava receoso de levar adiante uma nova publicação. Por isso, conjectura: “Ele quer ganhar dinheiro e acha que pode ter prejuízo me publicando; ele tem as planilhas com as vendas dos livros que publiquei, não me dá retorno sempre que solicito, responde sempre de modo evasivo que vai passar minha solicitação para o responsável pelo setor na editora, mas sou obrigado a retomar a comunicação e lembrá-lo que ele esqueceu de me passar o contato...”
Chegou a Ilhabela debaixo de muita chuva. Chuva torrencial de verão. Acomodou-se num quarto que guarda lembrança de outro em que pousou anos antes em Petrópolis. Tudo muito rústico. O piso, um assoalho de madeira que parece ter mais de meio século. A varanda, na qual se senta para escrever, o piso é de tijolos sem qualquer acabamento. A mureta que protege a varanda, feita com troncos de árvores sem nenhum tratamento, sujeitos, pois, à ação do tempo. O que o impressiona sobremaneira no aposento é a quantidade de telas nas paredes. Nota em particular uma pintura com motivos fauvistas: cores fortes, ruptura com a figuração. A pousada, de qualquer forma, e essa informação ele não tinha quando fez a reserva, era repleta de telas. No bar, ao lado da piscina, enquanto tomava o café da manhã, vê duas telas que guardam lembrança com o expressionista austríaco Oskar Kokoschka. Pôde ler na assinatura Trieste 93. Quem seria esse pintor de nome Trieste? Intenta verificar quem poderia ser Trieste. Mas ao mesmo tempo lembra de Trieste, cidade italiana que na época de Kokoschka pertencia ao império austro-húngaro. Isso pouco importa, contudo, para ele, que resmunga: “essas telas, de fato, são o que são...”
Um catálogo com a lista de artistas idiossincráticos que tiveram suas obras rejeitadas e posteriormente foram reconhecidos como gênios não é pequena. Quando se trata, porém, de um artista cuja obra significa a ponte entre dois momentos da história da arte, sua rejeição inicial e posterior revalorização precisam ser consideradas com vagar. Esse é o caso de Paul Cézanne (1839-1906). Como ele, Vincent Van Gogh e Paul Gauguin igualmente tiveram trajetórias artísticas erráticas, conflituosas, escolhas excêntricas e, em decorrência, se prestam a debates sobre o quanto traços de caráter e temperamento determinam a obra. Mas é Cézanne que, nas palavras do historiador Giulio Carlo Argan, em seu referencial Arte Moderna, “conclui a parábola do impressionismo e forma o tronco do qual nascem as grandes correntes da primeira metade do século XX”. Trecho do livro que se anuncia. Com esse livro, apesar da possível contrariedade do editor, acredita que exponha novas questões sobre o misterioso mundo da criação artística, sujeito a incompreensões, em que se pode por toda sorte de dúvidas, mas que aguarda o veredito da história como palavra final.
“Minha vida não cabe num Opala. Aqui continua chovendo. Mas, parece, hoje, o sol vai se abrir. Veremos. Agora vou tomar café”. Este é o último dia na pousada. Na manhã seguinte estaria de volta. Mesmo que chovesse, nesse último dia resolve visitar as famosas cachoeiras de Ilhabela. Procura, então, informações. Há uma próxima, Portinho, que vale uma visita; depois, no caminho, outra, Cachoeira da Toca. Faz tempo que não visita cachoeiras. Elas lhe trazem à memória quando era adolescente e a visita a cachoeiras lhe evocava um encontro fake com a natureza. Nisso, para ele, o bichogrilismo de que, adulto, procurava se esquivar. Se cachoeiras não lhe traziam boas lembranças, visitá-las era apenas um rito em sua estada em Ilhabela. Vê-las-ia apenas para notar que são o que são... Depois do tour pelas cachoeiras, com a noite fechada e sem lua, ele não consegue ver o mar. Nenhum sinal de que na frente dele há água. Escuridão total e sequer pode ouvir o murmurar das ondas na distância em que se encontra. Nisso, claro, não há novidade. Apenas, nele, o sentimento de medo frente à escuridão total. “Protegido aqui, retenho o que é um tanto assombroso. Imagino os navegantes antigos cruzando o mar tenebroso. Vejo, ao longe as luzes de uma embarcação. E com isso seus reflexos na água do mar. Escuridão total é como uma espécie de inexorabilidade existencial. Na escuridão do cosmos, a luz de uma potente estrela é uma insignificante fagulha".
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Atualizado em ( 07-Mai-2021 ) |
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