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quarta
24.Abr 2024
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Escrito por Umba Hum   
12-Abr-2022

karamazov.jpgOntem vi o Piba. Ele me convidou para ir à casa dele. Relutei um tanto. Há muito não nos víamos. Relutei porque hoje moramos bem distantes e porque faz tempo abri mão de visitar alguém. Na última década, praticamente não nos vimos. E, achei curioso – ele me passou o endereço – saber que iria para mesma casa que frequentei nos tempos de infância. Ele se separara, já sabia disso, tem uma filha adolescente, de quem me fala com orgulho e deixa no ar certo ressentimento por sua ausência como efeito da separação, e voltou para a casa em que crescera. Não me cabe, claro, especular sobre as idas e vindas em sua vida. Aceitei o convite e, ao chegar, ele me disse: “a velha casa que você conhece”. Sim, conhecia bem; com exceção da mobília, reconheci o mesmo portão que leva a um longo corredor estreito com pouca luz; por ele, cheguei à porta de entrada da sala; nela, vi a mesma escada em caracol para o andar superior e uma abertura que permite avistar parte da cozinha... Curioso, nesse reencontro, reencontrar Ivonete, sua irmã. Lembro dela também casada. Para futricas de uma vila distante da cidade, com um rapaz negro. Não me cabe, igualmente, especular: também havia se separado? Viviam os dois na mesma velha casa, assim supus e ficou na suposição. A mãe deles, que me recebia quando éramos crianças, morreu há alguns anos. Tive a notícia, não me lembro mais como. Tenho só o registro na memória.

 

Rever Ivonete foi surpreendente. Tenho dela alguns lapsos da imagem adulta, casada com o rapaz negro. Na vila em que morávamos, vez ou outra nos anos que se passavam, os via rapidamente e lhes dava um aceno. Guardo mesmo um momento no qual, acho que em um aniversário de quem não me recordo, a mãe deles ainda viva, estive na velha casa e lá a encontrei com o marido. Ele, aliás, não me era estranho. Éramos colegas no tempo de ginásio. Mas do tempo de ginásio, justamente, me tinha fixado à imagem dela. Adolescente, loura, olhos verdes, magra, estatura média, discreta, traços marcadamente lusitanos. Estava entre as belas e cobiçadas meninas do tempo de escola. Com doze, treze anos, como os colegas, tinha fascínio por ela. Entre nós, de qualquer forma, havia diferença de idades: era ela dous anos mais velha e o círculo de colegas com quem ela se entretinha não se misturava com o meu e do Piba. O fascínio ficou na fantasia juvenil. Não tive nenhum contato com ela. Nem mesmo nas constantes idas à sua casa, pois ficava em conversa com o Piba e em alguns momentos a via cruzar a sala ou a cozinha onde estávamos. Era ela, de fato, bastante circunspecta e dela tinha, adolescente, a impressão de ser inatingível. Um oi!, às vezes, para valer o protocolo de visita, era o suficiente. Adolescente, de qualquer forma, sua existência não passou batida. Além das conversas em que me entretinha com o Piba, ver a Ivonete também foi motivo pra frequentar sua casa. Vê-la depois de tanto tempo, numa circunstância tão parecida, reavivou o passado. Tendo passado dos cinquenta, me surpreendi ao encontrá-la com a beleza e frescor de menina: magra e com os mesmos movimentos. E como convém a adultos, se reteve ela, embora pudesse notar que apenas por educação, e trocou algumas palavras conosco: “Nossa! E os seus cabelos? Na escola suas madeixas eram comentadas”, disse ela. “Pois é, as madeixas se foram; o tempo é cruel”, retorqui. Mesmo que estivesse se retido por educação, ela contudo permaneceu conosco por mais tempo do que esperava. Cheguei a sentir, com a demora, certo incômodo, como se estivesse presente o passado em que ia ao Piba para vê-la, mas ontem sua presença me era inesperada e queria conversar com o Piba, dez anos depois. Nos jogos e volteios da vida, refleti o quanto o tempo traz sensações, caprichos...; não é possível dizer que ela não tenha sido, repentinamente, despertada para o passado com minha presença ali; tanto tempo atrás..., e agora, ainda que formal, certo charminho como que a se desculpar pelo que sempre fizera, ou fingira fazer, conforme trejeito adolescente: ignorar a presença de amigos do irmão.

Destas linhas a se imaginar que, entre a pré e propriamente a adolescência, tenha sido o Piba meu melhor amigo – difícil uma afirmação assim, pois na vida muitas pessoas em momentos distintos têm importância que nos levam a dizer: “você é meu melhor amigo”; e, estações depois, não resta nada do que seria uma grande amizade; não só não resta como sempre há boa possibilidade de sermos traídos por quem temos em conta de melhor amigo; a vida, a esse respeito, é caprichosamente previsível –, pois de fato com ele na escola, na rua, na velha casa dele, na minha, que era quatro ou cinco quadras da dele, naquela época nos víamos todos os dias. Voltávamos da escola conversando, assistíamos a seriados de bang-bang na TV, brincávamos de salva, futebol de botão e, principalmente, jogávamos futebol na rua de terra batida. Futebol era de todos nosso assunto preferido. Liamos a revista Placar, colecionávamos figurinhas e discutíamos acaloradamente sobre jogadores e times: ele corinthiano fervoroso; eu um são-paulino discreto. Com a chegada da adolescência o assunto mudou, passamos a conversar sobre leituras. Ambos, ao invés de figurinhas com jogadores de futebol, passamos a colecionar livros de literatura. A coleção Clássicos da Literatura, publicada pela Abril Cultural. Ele tinha especial predileção pelos russos. Lembro dele com Guerra e Paz, de Tolstói; e, meses depois, com Os irmãos Karamazov, de Dostoiévski. Minhas leituras iniciais, naqueles anos, foi de escritores de língua inglesa. O primeiro livro que li da Coleção Abril foi Moll Flandres, de Defoe. Com nenhum outro amigo conversava sobre livros lidos como com ele. Da literatura brasileira tinha especial predileção por Álvares de Azevedo e, adolescente, imaginava e, com ele falava, que até os dezenove anos tinha de escrever uma obra poética para a história. Difícil dizer, mas, sim, no que se refere ao meu interesse por literatura já adulto, o Piba foi o amigo a quem cabe dizer melhor amigo, aquele com quem mais dividi minhas expectativas de vida.

Éramos tão próximos e seguimos caminhos tão distintos na vida. Bastante jovem, ao contrário de mim, ele começou a trabalhar como office boy e nossos encontros a rarear. Essas coisas que acontecem quando somos adolescentes. As amizades se dispersam e, passado o tempo, restam como lembrança. Nosso caráter adulto assume feições inimaginadas quando jovens e nos tornamos desconhecidos para quem nos foi tão próximo. Outras pessoas, amizades, surgem e também desaparecem. Isso, claro, aconteceu comigo. Adulto, tantas pessoas com quem partilhei amizade por um tempo, com as quais aprendi tanto e que foram importantes para mim em algum momento por razões diversas e que hoje simplesmente evaporaram. Minha vida e a do Piba se desconectou, mas não nos afastamos completamente. Católico, ele frequentava a Igreja da vila, conduzida pela Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses, e por um motivo circunstancial de modo não tão frequente passei a assistir às missas aos domingos. Ele então exercia certa liderança entre movimentos da Igreja ligados à Teologia da Libertação. E assim, às vezes que nos víamos, as conversas sobre religião e trabalho com a comunidade ganharam corpo, de maneira que por um tempo acabei me envolvendo em ações estimuladas pela hierarquia eclesiástica após o Concílio Vaticano II. Durante um tempo o ajudei a catalogar uma biblioteca, com livros doados, no subsolo da Igreja para consulta de pessoas bastante simples. Eram livros variados. Muitos didáticos que não tinham mais qualquer uso, como os com mapas nos quais via países que deixaram de existir ou que surgiram depois da desagregação do mundo comunista no leste europeu. Lembro bem, não obstante, das seções de literatura brasileira e portuguesa e de História. Tudo, no entanto, para mim foi fugaz. Embora também católico, minha vida havia seguido outro rumo e as idas à Igreja, o trabalho na biblioteca, foram se tornando raras. Adultos, e com diferentes concepções de vida, não é possível afirmar que efetivamente somos amigos. Mas, igualmente, que todas as vezes em que nos vimos não se renove nossa afeição: admiro a entrega dele ao trabalho na Igreja.

Em nenhum momento perguntei muito. Nunca, verdadeiramente, tive curiosidade para saber muito a respeito dele. Não posso dizer que tenho presentes suas motivações profundas para o trabalho voluntário na Igreja. E sempre soube pouquíssimo de sua vida amorosa e profissional – quando estudávamos na época ginasial, nunca falávamos sobre namoradas, nunca o vi com uma namorada. E assim, ontem, nos encontrávamos. Ivonete, depois de alguns minutos e recordações do passado, foi para a cozinha, e logo voltou com uma bandeja com salgados e uma garrafa de cerveja – nem de longe me vem à memória a cerveja que tomamos. Ela nos serviu e em seguida nos deixou conversando.

Rever uma pessoa que no passado foi tão próxima cria uma situação embaraçosa: até que ponto certos assuntos podem ser tocados? E, uma vez tocados, como abordá-los? O que perguntar ou deixar de perguntar? Enfim, tudo acaba com ar de que não há muito a ser dito, ou que o que for dito pode ser engolido num terreno pantanoso. Há uma indisfarsável formalidade e o sentimento de incômodo. Ao mesmo tempo, contudo, com ele a sensação de pureza de sentimentos vinda de uma relação de infância e que a vida adulta jamais proporcionou algo similar. Quer dizer, somos absolutamente estranhos, mas um e outro é absolutamente conhecido para o outro. O Piba tem de mim o que eu era, minha fantasia infantil de me tornar o poeta de uma geração como Álvares de Azevedo, o que ninguém além dele sabe. A superficialidade da conversa que travamos, então, escondeu no subsolo as trilhas na vida que foram traçadas. Um diante do outro e cada um sabe sobre o outro o que ninguém além de nós sabe naquilo que torna uma vida singular. Não que haja um mistério estrondoso, algo a ser escondido a sete chaves. Mas sim que há algo na vida de que alguém no passado sabe e que, sim, escondemos a sete chaves porque a máscara adulta denega. Por mais que a formalidade das vestimentas escondam, diante do Piba me encontro desnudo; como, imagino, ele também deva se sentir diante de mim.

Conversamos, então, trivialidades sobre a política no Brasil – Lula, Dilma, o ressurgimento com violência e virulência da extrema direta... –, sobre as dificuldades do trabalho na Igreja com o avanço das pentecostais – ele não se afastou do trabalho voluntário e teceu críticas aos rumos da Igreja –, sobre os estudos da agora adolescente filha dele, sobre meus livros, com respeito aos quais ele não faltou a nenhum lançamento, sobre livros que ambos estávamos lendo – ele lembrou de uma leitura adolescente que fazia no ônibus, Ulisses, de Joyce, e que jamais concluíra.., o que retruquei: “você devia espantar quem sentava a teu lado com o tamanho do livro” –, falou sobre viagem que planeja fazer para os Estados Unidos depois da aposentadoria...; ou seja, uma conversa banal, mas tão cheia de significados soterrados. Do tempo de nossos encontros na Igreja, o Piba passou a me enviar todo ano um cartão de Natal. Recebo-o e nele ele escreve uma mensagem cristã. Com os anos, antes de mo enviar, recebo dele um e-mail perguntado de meu endereço. Nesses longos anos, ao contrário dele, que se encontra na velha casa em que cresceu, fiz muitas mudanças. Aguardo então o cartão e fico com certa expectativa para ler a mensagem. Faz-me bem recebê-la. Guardo o cartão numa pasta com documentos diversos. A caligrafia do Piba é facilmente identificável. Possivelmente ele foi o primeiro canhoto que conheci. E de algum modo associo sua letra à de quem faz uso da mão esquerda para escrever. Mero detalhe, mas quando éramos estudantes, ficava atento aos meneios com que segurava a caneta e escrevia.

Duas horas, duas horas e meia, ou três horas...; não sei ao certo quanto tempo durou a visita. Despedi-me dele, da Ivonete, e fui embora. A presença do Piba, sua presença física, mesmo sua vida, nossa conversa com profundidade de um pires, se assemelharia a que teria com qualquer outra pessoa a quem fosse visitar. Protocolos de educação, salgados, cerveja... Ela tem, entretanto, um sentido que foge à mera visita a um amigo depois de tanto tempo. A lembrança do passado é uma sombra que cobre tudo isso. Um tempo que passou, que se diluiu como uma nuvem em razão de uma leve brisa. Um sentimento de atordoamento se apodera de mim. O passado, perdido inexoravelmente, ganha dimensão nostálgica. Vê-lo me faz lembrar o que éramos, o que fazíamos, liamos, conversávamos, em comparação com o que sou, no que me transformei, e deixa uma interrogação que por vezes me perturba sobre quem ele é.

Atualizado em ( 12-Abr-2022 )
 
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