A genialidade musical de Hermeto Pascoal é conhecida por muitos e há muito tempo, tanto que mereceu o apelido de “bruxo” pela criatividade mágica que o multi-instrumentista tem no ato de criar novos sons. Agora, com a exposição Ars Sonora em cartaz no Sesc Bom Retiro, em São Paulo, temos a possibilidade de conhecer as aventuras visuais em uma vasta série de poemas-objeto, partituras como obras pictóricas e instalações com objetos que ganham vida sonora em uma postura duchampiniana.

Ars Sonora tem a primorosa curadoria de Adolfo Montejo Najas, que conseguiu extrair toda a potencialidade criativa de Hermeto Pascoal. Montejo também é poeta visual e escritor, autor de Poemas casuais, outros (Medusa), o bilingue Limiares/Lindes (Patuá) entre outros.

Aqui temos uma entrevista com Montejo, na qual fala de como descobriu a obra de Hermeto Pascoal, a curadoria da exposição e sua importância.

Confira a entrevista e não deixe de visitar Ars Sonora – Hermeto Pascoal, tendo uma agradável surpresa a passo dado dentro da sala de exposição.

Adolfo, como você descobriu as obras do Hermeto Pascoal que estão na exposição Ars Sonora?

O descobrimento das obras de Hermeto que estão na mostra faz parte de uma pesquisa longa, de mais de duas décadas. Ainda que se possam separar em dois períodos: o primeiro, se refere às diversas obras, trabalhos, que, durante toda a trajetória, Hermeto tem ido fazendo: em discos primeiro (como o som da aura feito sobre a voz das pessoas, por exemplo, ou fazer música com animais de parceiros), suas performances ao vivo como happenings, ou as realizações que vinculam música e arte como sua trilha sonora da tela de Cicero Dias, as performances corporais de Brincando de corpo e alma, ou então, obras que são livros de artista, conceituais (como o Calendário do som). Mas além disso, e em um segundo momento, fui descobrindo o acervo de trabalhos visuais: múltiplas partituras em diversas superfícies e objetos e, por outra parte, os surpreendentes desenhos de técnica mista.

Na área da música há uma unanimidade: Hermeto Pascoal é um gênio. Ele conseguiu transportar essa genialidade musical para os objetos que estão na exposição?

A noção de gênio que arrasta Hermeto como músico e compositor, totalmente justificada, pelo grau de invenção e excelência de sua obra, com sua parte visual e suas obras sonoro-visuais não faz outra coisa que se ampliar, pois o retrato geral de Hermeto não é só musical. De fato, até como livre-pensador é importante, como ilustra a Hermetologia incluída no catálogo da mostra do SESC Bom Retiro, como glossário ou coleção de verbetes de seu pensamento crítico, poético e artístico (muitas vezes com uma linguagem aforístico/lírico/filosófico).

As obras expostas na Ars Sonora são poemas-objeto. E o grande mestre dessa arte é o espanhol Joan Brossa. Você vê algum eco do Brossa nas obras do Hermeto?

O melhor e mais importante da mostra Ars sonora são os nove eixos em que está estabelecida, e na qual, os objetos são parte em destaque. Mas são tão valiosos como os desenhos, os livros de artista, as performances corporais, as trilhas imagéticas ou as diversas experiências com o som (o som da aura, músicas com animais ou com a natureza), entre outros caminhos. Joan Brossa ficou muito identificado no Brasil, graças a alguma mostra, publicações/traduções e até uma visita pessoal que ele fez a Rio, mas o território do poema-objeto não é patrimônio seu, ainda sendo um excelso intérprete desse tipo de visualidade. E não vejo nada próximo. Sim diria, que, no caso de Hermeto, sua denominação certa seria poemas-objeto com música (pela inclusão da notação desenhada e caligráfica; aliás, uma vertente também muito instigante como escritura experimental, dentro do território dos músicos e artistas de vanguarda).

E para você, qual a contribuição do Hermeto na área do poema-objeto?

A contribuição nesta área seria a inclusão deles na área sonora, como apontei antes, são plausíveis poemas-objeto com música, e também por isso, dizer que são obras-passagem, pois o destino final delas é sua última tradução musical, ser interpretado o que está escrito nos objetos (que não tem nada a ver, nem afinidades, com seus suportes tridimensionais), e, portanto, voltar à origem da música como matriz.

Recado do curador: o que você tem a dizer para quem for visitar a Ars Sorora?

Como detalhe de atenção a contemplar na mostra de Hermeto Pascoal, eu convidaria a reconhecer os diversos caminhos trilhados pelo músico e compositor, também como artista plural e visual, como criador de poiesis (por cima de categorias fechadas de linguagem), com atenção para todas as experiências fronteiriças com o som e com a visualidade (estas cada vez mais numerosas nos últimos tempos). Ars sonora fala dessa ars combinatória, da relação entre arte e som. Motivo fulcral e desencadeante da idealização desta mostra (que já tive sua primeira versão monográfica na XIV Bienal internacional de arte de Curitiba, 2019 sob meu cuidado).

 

ARS SONORA – HERMETO PASCOAL

Curadoria de Adolfo Montejo Navas

Sesc Bom Retiro

Alameda Nothmann, 185 – Campos Elíseos, São Paulo – SP

Telefone: (11) 3332-3600

De terça a sexta: das 9h às 20h

Sábado: das 10h às 20h

Domingo: das 10h às 18h

Até o dia 03 de novembro de 2024.

Grátis

 

Fotos de Franklin Valverde, exceto o cartaz da exposição (reprodução/divulgação).