Humberto Silva é, de longa data, um estudioso do cinema. Seu apurado olhar está sempre desvendando novos caminhos de análise ou de contemplar, de uma outra maneira, as obras da chamada sétima arte. A sua escrita é possível de ser lida em publicações como Revista de Cinema, Cinequanon, Digestivo Cultural, Onda Latina e Cinema Escrito.

Também devemos lembrar que é dele o livro Glauber Rocha: cinema, estética e revolução (Paco Editorial, 2016), no qual discorre sobre a obra do cineasta baiano que revolucionou o cinema mundial.
Agora, Humberto Silva, presenteia os seus leitores com o e-book Gêneros Cinematográficos e a Nova Hollywood, editado pela Mnemocine.
Confira os detalhes dessa sua nova publicação na entrevista abaixo que, sem dúvida, é uma verdadeira aula sobre cinema.

Você acabou de publicar o e-book “Gêneros cinematográficos e a Nova Hollywood”, pela Mnemocine. Como se fosse um convite à leitura, o que os leitores podem esperar dessa obra?
Humberto Silva – Sua pergunta tem um ponto bem oportuno, que me é bastante caro: “convite à leitura”. Esta, justamente, uma expressão que está no subtítulo de um livro de filosofia que organizei: Ensino de filosofia: convite à reflexão, de 2022. No termo “convite”, um tanto de minha experiência de mais de vinte anos como professor de filosofia da educação.
Meu trânsito no cinema, e você é bastante feliz com a pergunta, é mediado pela minha formação em filosofia e, em decorrência, como professor em cursos de pedagogia. Assim, suponho, meu texto – minha escrita de modo geral – exibe marcas que no fundo denotam um viés pedagógico. O cinema, a esse respeito, é a ocasião para que eu possa exercitar essa coisa indefinível que é como estimular, chamar a atenção, atrair o leitor para o prazer de ver um filme e, simultaneamente, ter elementos para pensar, refletir sobre ele.
Nesse sentido, meu propósito com o e-book não é outro senão o de fazer um convite. E ficaria imensamente feliz ao saber que esse convite feito pelo e-book foi aceito. Como me agradaria saber que sou lembrado ao receber convite para uma festa.
E o convite é feito em primeiro lugar a alunos de cinema em sentido amplo.
Quando tive o primeiro lampejo para publicação, a primeira coisa que pensei foi: seria interessante se essas notas sobre gêneros cinematográficos e a Nova Hollywood não ficassem hibernando entre meus arquivos no computador e pudessem ser lidas, se servissem de referência para quem está, digamos, dando os primeiros passos no cinema. Veja, então, que independentemente de qualquer outra razão, o que me moveu para a publicação foi o viés pedagógico que, creio, acompanha as ações mais casuais, circunstanciais, de meu trabalho como professor e crítico de
cinema.
Em segundo lugar, obviamente não menos importante, mas com finalidade distinta, tenho em vista também em sentido amplo professores de cinema.
Mais pontualmente: professores de história do cinema. Essa minha área de atuação mais destacada nos dez anos mais recentes. Assim, ter presente com eles a possibilidade de diálogo, tanto quanto, não com pretensão desmedida,
ofertar um referencial para uso em aulas. De modo bem direto: não escondo aqui certa motivação pragmática. Ou seja, seria para mim prazeroso saber que o material que torno público tenha utilidade para quem ensina história
do cinema. Com destaque para o cinema norte-americano e um momento pontual dessa cinematografia, o advento de uma maneira de fazer filmes nas décadas de 1960 e 1970 que passou à história com o nome de Nova
Hollywood.
Em terceiro lugar. Eu me contentaria, claro, em poder dialogar, ser lido por especialistas, críticos de cinema, pelo staff acadêmico, etc. Mas antecipadamente com a ressalva: nem de longe pensei nas amarras acadêmicas para a confecção do e-book. Basicamente, o que escrevi é resultado estrito de trabalho em aulas, do dinamismo de uma aula, de insights, intuições em momentos casuais. Sim, claro, houve para muita coisa um trabalho de pesquisa, de consulta, de averiguação de informações. Só que, tenho plena ciência, um trabalho propriamente acadêmico exploraria em profundidade aspectos que ficaram ao largo de meus propósitos com o e-book. Quero dizer com isso: em muitos aspectos, justamente, eu sacrifico deliberadamente o acadêmico em proveito do pedagógico.
É isso, então, o que tenho em vista quanto ao que se pode esperar desse e-book que agora torno público. Que seja lido como um trabalho com finalidade pedagógica. Com acento, sim, na filosofia da educação. Para deixar bem marcado: tenho enorme respeito pelo trabalho de pesquisa acadêmica, pela seriedade de pesquisadores que conheço e admiro, mas tenho plena convicção de que a academia caminha na contramão da pedagogia. E meu trabalho não se guia pela academia.

Muitas pessoas costumam dizer, sobre filmes com grande apelo comercial, que “são muito Hollywood”. Além desse aspecto comercial, pode-se também considerar “Hollywood” como um fenômeno estético ou o lado industrial se sobressai?
Vejamos. Consideremos as pessoas em geral e o reconhecimento de um filme “muito Hollywood”. Esse “muito” está atrelado, para muitas pessoas, a uma espécie de metonímia entre “cinema” e “Hollywood”: o todo pela parte. Para muitas pessoas, cinema e Hollywood praticamente se indiferenciam. Para que isso ocorra, muita coisa entra em jogo. Num primeiro momento, o inevitável pressuposto de qualidade de um filme, que por sua vez acaba sendo um condicionante para a singularidade da manifestação de um gosto. Enquanto experiência sensível, portanto
subjetiva, cada um de nós é afetado de modo singular por aquilo que expressamos “como gostar de…” Essa singularidade, que na filosofia recebe o nome de “experiência estética”, responde também a uma engrenagem que
antecipa não propriamente a autonomia do gosto no indivíduo, mas sim o gosto na multidão. “Muito Hollywood” é com isso uma maneira de muitos acolherem, ou não, aquilo que fundamentalmente é padronizado. De modo
que, e entra em cena então o aspecto comercial, um produto hollywoodiano não difere substancialmente de um, digamos, McLanche Feliz. Em termos industriais, de produção para consumo, portanto, Hollywood, o que essa
palavra significa no imaginário coletivo ao longo de mais de um século, é um negócio extremamente bem sucedido. Tão bem sucedido quanto a rede de fast food McDonalds.
Decorre disso, nos quatro cantos do mundo, a inequívoca hegemonia do cinema norte-americano, Hollywood mais precisamente, em razão de um “padrão de qualidade” inequivocamente reconhecido, como atestam bilheterias e mais recentemente plataformas de streaming. Dizendo de maneira bem taxativa: não é possível minimamente pensar o cinema norte-americano, Hollywood, sem o vínculo imediato com o mercado. O espectador compra um produto e dele espera um padrão de qualidade que, para esse espectador massificado, se mistura com o que ele entende como
gosto. Casualmente o controle de qualidade deixa escapar um hamburger estragado, e então… as bilheterias se manifestam.
Certo, mas um filme, isoladamente, não é um McLanche Feliz, pois este é exatamente igual a todos que são feitos pela rede McDonalds. Um filme isoladamente comporta nuances, camadas, os mais variáveis e indistintos
aspectos de produção até ser posto em circulação no mercado. O aspecto estritamente comercial e seu padrão de qualidade estão sujeitos aos mais diferenciados “paladares”. Para um filme, a palavra “qualidade” não tem o
mesmo sentido que quando empregada para um lanche, uma linha de carros ou… um pacote de salsichas. Aqui então a palavra “estética”, o chamado “fenômeno estético” passa a ter peso. Mesmo que com a estética não se queira traduzir o que essa palavra significa para a filosofia da arte, ela ndiscutivelmente entre no jogo da aceitação ou não de um filme. Padrão de qualidade e valor estético nesse caso se intercambiam. A padronização com isso fica sujeita à expectativa do espectador massificado que de algum modo, e de modo paradoxal, espera o mesmo. Mas este mesmo com um diferencial que o faça ver no filme visto algo esteticamente diferente, algo que, esteticamente padronizado, não seja exatamente idêntico ao já visto.
Obviamente isso envolve enormes dificuldades em decisões-chave dos executivos dos estúdios para que se tenha o produto final. Subestimar o “fenômeno estético” pode trazer enormes prejuízos com a resposta das bilheterias, ou mais recentemente o acesso a plataformas de streaming.
Ocorre que, nos ensina passagem bíblica, não se pode ser servo de dois senhores ao mesmo tempo. A estética, no caso do cinema norte-americano, Hollywood, é serva do mercado: estética ancilla negotium, numa feliz expressão latina.

O que vem ser a Nova Hollywood que você trata em seu livro?
De modo bem direto: Nova Hollywood é como ficou conhecido um conjunto significativo de filmes realizados em Hollywood do final da década de 1960 até o início da de 1980. A Nova Hollywood, vale frisar, não corresponde à totalidade de filmes hollywoodianos nesse período. Cabe então dizer o que esse conjunto de filmes teve de especial para merecer essa denominação.
Uma primeira coisa. O “Nova” alude a um processo de renovação do cinema que durante os anos de 1960 ocorreu em diversos lugares no mundo.
O impulso inicial foi dado pela Nouvelle Vague francesa, no final da década de 1950. Nesse mesmo momento, o cinema inglês experimenta uma renovação com sua New Wave. O movimento em seguida se expande para outros países de modo a termos uma Nova Onda na antiga Tchecoslováquia, uma Nova Onda no Japão, o Nuberu Bagu, uma Nova Onda na Polônia, uma Nova Onda na Alemanha Ocidental, o Novo Cinema Alemão, e uma
Nova Onda no Brasil, que recebeu o nome de Cinema Novo.
O influxo dessas ondas cinematográficas se fez sentir nos Estados Unidos.
De modo que a Nova Hollywood reverbera o que estava acontecendo em diversas cinematografias ao redor do mundo. Vale ressaltar: é o momento na história do cinema norte-americano em que mais se fez presente a influência
de cinematografias externas. Vale ressaltar, igualmente, tendo em mente o sentido de nacionalidade, que cada um dos países aqui citados gerou sua nova onda cinematográfica com características próprias. Vejamos o que
aconteceu nos Estados Unidos, Hollywood.
Os grandes estúdios, que dominaram a produção cinematográfica em Hollywood entre as décadas de 1920, 1930, 1940, passaram por enormes transformações, incorporações e acomodações ao longo das décadas de 1950 e 1960. Fundamentalmente, eles perderam o domínio que tiveram ao longo de três décadas. O e-book procura explicar como isso acorreu e como a perda desse domínio gerou condições para uma nova maneira de fazer cinema em Hollywood. Nessa nova maneira, ganha um espaço que não tinham companhia produtoras independentes, que passam a abordar
questões que não figuravam nos formulários dos grandes estúdios.
Importante destacar, com isso, o contexto político e cultural da década de 1960. A Guerra Fria, a Guerra do Vietnam, a luta pelos Direitos Civis, o movimento feminista, enfim, o momento de efervescência cultural e uma juventude contestadora que terá no cinema um meio para expressar sua rebeldia, inconformismo, idealismo frente à realidade que estava vivendo. O chamado “cinema clássico hollywoodiano” era essencialmente avesso ao tratamento de temas delicados e controversos do momento vivido. Claro, houve exceções, mas me refiro ao modelo clássico que ao longo dos anos 60 gradativamente divide espaço com produções que, em grande parte influenciadas pela nova onda francesa, caracterizam emblemáticas realizações daqueles anos. Quero dizer: mais marcadamente a partir da
segunda metade da década de 1960, muitos filmes em Hollywood passam a tratar abertamente de temas sociais, políticos, comportamento da juventude entre outros de uma maneira inédita para os padrões de Hollywood.
Contribuiu para isso o fim do Código Hays em 1968, um instrumento que vedava ao cinema, ao produtor no corte final de um filme, a abordagem de questões polêmicas, como o tratamento visceral da violência, a ambiguidade
na caracterização de personagens, o sexo, o sarcasmo, relacionamentos interraciais entre homem e mulher, a posição libertária da mulher na sociedade. Com o fim do Código, esses temas foram amplamente explorados por diretores jovens, ou mesmo pouco influentes na chamada Hollywood clássica, que estavam em sintonia com as grandes questões da época.
Sobre o relacionamento com os grandes estúdios, propriamente, esses diretores passaram a ter uma liberdade criativa que antes era praticamente impossível. Há uma leva enorme de diretores que despontam no contexto da
Nova Hollywood. Eu fiz um recorte e a esse respeito dei destaque a Francis Ford Coppola, Martin Scorsese e Peter Bogdanovich, entre os jovens, ao ignorado Robert Altman até a Nova Hollywood e ao relacionamento difícil
de Hollywood com a produção de filmes protagonizados por negros no contexto de afirmação racial daqueles anos.
O “espírito Nova Hollywood” foi muito forte do final da década de 1960 aos primeiros anos da de 1970. Para mim, o marco é Sem destino, de 1969, dirigido por Dennis Hopper. O “espírito Nova Hollywood”, para mim, começa a perder força com a emergência dos blockbusters na metade da década de 1970. Tubarão, dirigido por Steve Spielberg em 1975, anuncia um novo momento em Hollywood. Principalmente, na relação entre executivos dos grandes estúdios e diretores que, com impulso criativo, assumiam riscos no tratamento de questões espinhosas. Depois de Tubarão, o “espírito Nova Hollywood” começa a perder força e no final da década de 1970 uma ou outra obra isolada pode ser destacada. Tenho em mente, pelas condições peculiares de realização, Apocalypse Now, de Coppola lançado
em 1979. Poderia citar outros…, mas para mim o início da era Reagan vira a página da história que ficou conhecida como Nova Hollywood.

“Gêneros cinematográficos e a Nova Hollywood” tem a característica de um livro composto por artigos, que possuem um fio condutor que os une. Você diz, na apresentação da obra, que não é “propriamente livro”. Por quê?
Na verdade, o e-book surgiu a partir de notas para aulas. Eu, há muitos anos, adquiri o hábito de escrever em diário. Aulas, cursos, palestras, ensaios, críticas de cinema, etc. antes de eventualmente irem para o computador são anotadas em diário. No caso, relendo as anotações de um curso que dei especificamente sobre a Nova Hollywood, eu as passei para o computador para ter, sempre que instigado a falar sobre o assunto, um material auxiliar. Esse, também, um método de trabalho que há décadas eu adotei.
Só para dar um ar presunçoso. Durante muitos anos dei aula de Estética para alunos de Artes. Entre as referências bibliográficas para as aulas, claro, a Estética de Hegel. São quatro volumes com o título Lições de Estética. Sim, as anotações de Hegel para aulas de Estética resultaram nesse livro que recomendo a todos que se dedicam ao mundo das artes, cinema, literatura, etc. Bem, mas, eu, óbvio, tenho quanto ao método de trabalho apenas a referência hegeliana (risos). Então, pensei na verdade em algo como uma apostila. E assim organizei as anotações num arquivo no computador.
E assim, no computador, as anotações sobre a Nova Hollywood ficaram hibernando por uns anos. Até que, numa conversa com um então aluno, Luca Scupino (hoje promissor cineasta e crítico de cinema), manifestei a ideia de alocar a apostila no site da Mnemocine, um dos mais ricos arquivos de cinema e audiovisual em geral no Brasil. Para quem pesquisa sobre cinema, é uma mão na roda o material disponível pelo Mnemo. Bem, mas, o Luca então achou que seria legal publicar na forma e-book. Seria para ele mais oportuno e a Mnemo estava justamente com uma linha editorial de publicação de e-books.
Eu inicialmente tinha uma intenção mais pragmática. Simplesmente alocar a apostila no Mnemo. A ideia de um e-book me estimulou a reorganizar, reestruturar, precisar informações, dados, enfim, eu acabei me envolvendo
de maneira a termos agora o e-book que vem a público.
Por que eu não trato o e-book propriamente como livro? Há um tico de ironia nisso. Um tipo de provocação com os humores classificatórios e protocolares do mundo editorial. Um e-book, caso haja uma versão impressa do material, para se distinguir do livro impresso é tão somente classificado pelas editoras como um… e-book. Com um preço de mercado em torno de um terço do do livro, o e-book é algo como, hoje, seu irmão bastardo.
Gêneros cinematográficos… não terá versão impressa, logo dizer que é um livro é uma usurpação editorial (risos). Há nesse tipo de provocação uma outra coisa, um desafio velado ao leitor: você leria esses escritos apenas se tivesse em mãos uma edição caprichada de uma badalada editora com prêmios e mais prêmios Jabutis? Aí, sim, com boa dose de presunção, se não leria, você não sabe o que está perdendo.

Sabemos que, no século XX, o cinema americano influenciou todos os outros pelo mundo afora. Na sua visão, com a Nova Hollywood, essa visão persiste ou está mais diluída?
A Nova Hollywood foi um momento preciso na história do cinema norte-americano. Como disse anteriormente, do final dos anos de 1960 a meados dos de 1970. Hollywood se rearranjou ainda quando a Nova Hollywood punha em circulação nos cinemas filmes altamente contestadores da sociedade norte-americana. Com a era Reagan e os anos de
1980, o “espírito Nova Hollywood” foi ceifado. Na verdade, isso aconteceu gradativamente. Em minha visão, sei que estudiosos no assunto têm outro ponto de vista, na segunda metade da década de 1970 o que ainda se pode chamar de Nova Hollywood é uma produção que para mim revela sinais de cansaço, de angústia, de uma morte lenta e esperada. A pá de cal, veja aqui a ironia, é o caríssimo épico monumental O Portal do Paraiso, de 1980, dirigido por Michel Cimino, um estrondoso fracasso de público e crítica.
Reza a lenda que foi um dos fatores que levaram à falência da United Artists, um dos grandes estúdios da era dourada de Hollywood. Sim, mas não tão anedótico assim, praticamente pôs fim à carreira de Michael Cimino.
O ocaso da Nova Hollywood, é certo, não decretou o encerramento da carreira de grandes diretores que surgiram naquele momento. Cimino é um caso peculiar. Coppola, Scorsese, Brian de Palma, Altman etc. assinam a direção de obras marcantes nos anos posteriores. Principalmente Scorsese.
Mas, essa minha visão, realizadas em uma razoável zona de conforto. Numa espécie de meio fio entre o risco que marcou a Nova Hollywood e as injunções do jogo no mercado. Personagem exuberante, algo como antípoda de Scorsese, Coppola foi o mais arredio aos ares conservadores que se seguiram à Nova Hollywood. Justamente por isso, teve, tem, uma carreira significativamente errante.
Há persistência do “espírito Nova Hollywood” no cinema norte-americano?
Sim, há uma leva de diretores importantes que de algum modo se impuseram alheios ao “sistema” – para fazer uso de um clichê – nos anos posteriores. Tenho em mente nomes caros a mim como David Lynch, Jim Jarmusch, David Fincher, Wes Anderson, Gus Van Sant, e incluiria também o nome de Quentin Tarantino… há outros, mas esses são para mim os mais marcantes. Ocorre que, devo ressaltar, são nomes isolados, que assinam obras em momentos esparsos, e que se impuseram à medida que foram reconhecidos em nichos localizados.
O “espírito Nova Hollywood” hoje? É uma página na história do cinema norte-americano. Uma página de um momento que eu entendo como um ponto fora da curva. Página, aliás, essa minha visão, tratada com enorme
sarcasmo por Coppola e Tarantino em seus recentes Megalopolis e Era uma vez em Hollywood.

Você é um profundo conhecedor da obra de Glauber Rocha, tendo publicado, em 2016 o livro “Glauber Rocha: cinema, estética e revolução” pela Paco Editorial. Podemos esperar um novo volume de sua autoria sobre a cinematografia de Glauber Rocha?
Agradeço imensamente o profundo… (risos). Depois do livro dedicado a Glauber Rocha a que você se refere, eu publiquei em 2018 Ver e Ver Como – ensaios sobre cinema e cineastas marcantes. Dos livros que publiquei, é o
menos lido…; confesso, isso me aborrece… tenho certo constrangimento ao mencioná-lo. Bem, mas, nele, há três longos ensaios que escrevi sobre Glauber. Nesses ensaios, exploro o Glauber de O dragão da maldade contra o santo guerreiro e de O leão de 7 cabeças. Um Glauber menos estudado do que o de Deus e o diabo e de Terra em transe. Exploro também, de modo bem pontual, a influência de Glauber Rocha em Werner Herzog,
especificamente em seu Cobra verde, de 1987.
Agora veja, quando estive envolvido na pesquisa para a escrita de meu livro sobre Glauber, eu tomei conhecimento da única peça teatral escrita por ele em sua volta do exílio em 1976, Jango: uma tragedya. Essa peça foi encenada em Salvador, em 2017, no Teatro Vila Velha, com montagem de Márcio Meirelles. Eu não a vi. Tenho enorme curiosidade para saber como foi montada. Mas essa a enorme diferença entre teatro e cinema… Certo, mas o que desde o momento em que tomei conhecimento da peça me despertou atenção – para todos efeitos bastante esquecida da enorme produção de Glauber em campos alheios ao cinema – é sobre possíveis vínculos estilísticos, tanto quanto políticos, entre Jango: uma tragedya e seu derradeiro filme, A idade da terra. Desde então, em momentos esparsos, me vem a ideia de futuramente alinhavar um ensaio com essas questões de fundo. Salvo engano, até onde sei nada foi escrito sobre Jango: uma tragedya… A inseparabilidade entre teatro e cinema em Glauber, entendo não ter sido suficientemente tratada.
Talvez algum dia eu escreva esse ensaio que vislumbrei anos atrás. Mas, um novo livro sobre Glauber (risos)? Não, no momento.