Trinta e seis anos atrás. O Professor. O aluno. Ensino médio. 3º ano. Escola Pública. Vila Jaguara. São Paulo. Seis anos, a diferença de idade. Aluno dezessete. Professor vinte e três. Ambos com vastas cabeleiras encaracoladas desgrenhadas. Ambos, militantes de esquerda.
Ambos da Convergência Socialista, no PT. Ambos, além da escola, envoltos dentro da noite veloz em longos papos sobre cinema, teatro, música, política e eleições presidenciais. Primeiras, turno e returno, depois da ditadura.
Derrota nas eleições. Frustração. Porre. Ressaca. Fim da efervescência. Fim do ciclo. Fim do ano. Dispersão. Após, Emiliano P., aluno, e o professor não mais voltaram a se ver.
Tanto tempo depois. Na TV fechada. Programa no Canal Arte1. Os bastidores da Osesp. À frente do aparelho. O calvo professor e crítico de cinema viu um calvo maestro. Uma entrevista. Regera o calvo maestro, na Sala São Paulo, Karlheinz Stockhausen. O ciclo de óperas Licht. Reconheceu e enxergou, o calvo professor, no celebrado regente calvo no Arte 1, traços do antigo aluno. Dos tempos de Convergência. Na verdade. A certeza. Nos créditos. Entrevista com o Maestro Emiliano P..
Dias desses. Rua Piauí. Higienópolis. São Paulo. Uma manhã de primavera. O calvo professor caminhava. Absorto. Súbito. Uns cinquenta metros adiante. Na mesma calçada. Enxergou e reconheceu, caminhando em sua direção, o calvo maestro que vira na TV. Os dois, caminhando em mão dupla, se aproximaram. O calvo professor fixou o olhar na direção do calvo maestro. Esboçou, para si mesmo, imperceptível sorriso. O calvo maestro sinalizou perceber. O despercebido sorriso. Ensaiou um contido e perscrutador olhar de esguelha. “Quem é?”. Insinuou para si mesmo. Ambos continuaram em movimento. Ambos, em silêncio, se encontraram. Ambos, após, não olharam para trás. Cada um seguiu seu caminho.
O passado. Ficou. No passado. Após, Emiliano P., o maestro, e o professor não mais voltaram a se ver. Ou. Jamais se viram.





