Em célebre crônica, Bento Prado Júnior certa vez colocou em palavras o que se sabe no mundo do futebol há muito tempo: fatores extracampo e extra terrestres interferem nas quatro linhas.
O filósofo, em texto intitulado “O Gol do Ronaldinho Gaúcho”, disponível em http://coletivovolupia.blogspot.com/2011/05/o-gol-do-ronaldinho-gaucho.html, dizia a respeito do lendário gol de Ronaldinho Gaúcho nas quartas de final da Copa do Mundo de 2002, contra a Inglaterra. Quando uma cobrança de falta da modalidade chutamento (neologismo futebolístico de cruzamento com chute) praticamente causa uma entorse no goleiro Seaman e termina milagrosamente na rede.
Ares de impossível envolveram a façanha técnica. O lugar de onde a bola foi batida, o pé escolhido, a distância. Nada favorecia uma cobrança diretamente para o gol, e nem parecia esse o propósito ao acompanharmos o início da trajetória do balão içado ao ar com a categoria de Ronaldinho, apelidado também e, não à toa, de bruxo.
Ainda assim, o impossível se realiza e o Brasil marca. Para Bento Prado Júnior ali estava a natureza a conspirar a favor da intenção. Quer dizer, quando o gênio é gênio, ele desafia os céticos e faz, ainda que sem “querer”, mas querendo efetivamente dada a genialidade, um gol de difícil explicação física, mas tão somente metafísica.
A mesma Inglaterra sofreu, desta vez na Copa do Mundo de 1986, outro gol sui generis. Da mesma Argentina que inventou o conjunto Sui Generis, surgiu a invenção, do maior gênio que já jogou por aquele país, “la mano de Diós”, quando Diego Armando Maradona faz um dos maiores gols do século XX e surrupia um tento da Inglaterra.
Fato é que os craques do futebol movimentam energias que não são deste plano e temos de falar sobre o que Pelé tem feito pelo Santos desde que partiu da terra.
Falo mais precisamente de Santos x Mirassol pela primeira rodada do campeonato paulista de 2023. Homenagem maravilhosa é feita ao Rei Pelé naquela que foi a primeira partida do Santos na Vila Belmiro após a partida do Rei. O Santos ganhou de 2 a 1. Não se sabe como. O Futebol do time foi abaixo da crítica, e ainda assim conseguiu a virada, com direito a gol nos acréscimos do segundo tempo. Uma derrota ou não oferendar uma vitória a Pelé seria por demais vexatório. De alguma maneira, Pelé fez os gols para ele mesmo naquela noite de 14 de janeiro.
No último domingo, intervenção semelhante, e até mais incisiva, foi praticada pelo nosso eterno Edson Arantes do Nascimento. O Santos vencia o Goiás, pela 14ª rodada do Campeonato Brasileiro por 3 a 1, quando terminou o primeiro tempo. A fase, que já não é má nem péssima, mas inominável, tamanha a draga, combinada com as péssimas alterações do treinador levaram o Goiás ao empate aos 36 minutos da etapa final.
E eis que lá de cima, revolvendo as nuvens e descendo de supetão no corpo de Burno Arleu, árbitro da partida, o espírito de Pelé intervém. Incorporado, Bruno torna possível o impossível, e um pênalti é dado de forma convicta e certeira, há poucos metros do lance.
O zagueiro Joaquim é ligeiramente deslocado com um suave toque do jogador esmeraldino, a convicção de Pelé, digo de Bruno, foi enfática. O braço em riste, como um médium dando passagem a uma entidade aponta a marca da cal.
O VAR, com a incredulidade dos céticos e dos profanos, contesta. Bruno vai à cabine e, talvez ainda incorporado, recebe argumentos e gesticulações. Não tinha volta, Pelé já havia aprontado das suas.Mendoza, herói improvável, faz seu segundo gol em belíssima cobrança. Um capricho de Pelé, que rapidamente sai de Bruno e entra no corpo do jogador que bate o pênalti, para garantir que nada teria sido em vão.
O alimento dessa conversa toda é o sal grosso, abridor de caminhos e inimigo das más energias. Aquele mesmo que foi jogado na cabine do VAR por um torcedor santista quando na mesma Vila Belmiro, em 2021, o Santos superou o Grêmio em gol de Wagner Palha e iniciaria ali a arrancada vitoriosa contra o rebaixamento.
Como diria o maior santista vivo, meu pai, já que Pelé não está mais aqui, o nome é Santos e não é à toa.
Rodrigo Dantas Valverde é santista e advogado.
Foto: Bandeirão santista no antigo tobogã do Pacaembu – Franklin Valverde