Li recentemente o livro Deus, um delírio (Cia. das Letras), do biólogo britânico Richard Dawkins, que similarmente a outras obras atuais prega o ateísmo e a inexistência das religiões. Dawkins é por demais radical, chegando a argumentar que é mesmo nociva a existência das religiões, especialmente a doutrinação de crianças em determinada dogmática religiosa. Vê-se que o autor, a pretexto de combater os radicalismos religiosos, cria seu próprio radicalismo. Opõe o evolucionismo ao criacionismo, duas posições que não são excludentes, ao contrário do que pensam tanto os agnósticos e ateus quanto os próprios criacionistas.
Em certo trecho do livro, o autor cita o personagem dostoioevskiano Ivan, de Os Irmãos Karamázov. Esse personagem é completamente ateu e niilista, e faz no romance uma afirmação célebre, no sentido de que, não existindo Deus, e tampouco a imortalidade da alma, toda e qualquer conduta humana será inteiramente lícita.
Dawkins refuta tal pensamento dizendo que o ateísmo não é incompatível com a moral, pois a própria moral é fruto da evolução cultural da humanidade. Segundo Dawkins, mesmo para o ateu os princípios morais existem, porque afinal são decorrência de dezenas de milhares de anos de evolução na convivência humana.
Na minha opinião, o autor inglês se esquece de que mesmo a religião surgiu entre os homens no próprio desenrolar dessa evolução das culturas em busca do aprimoramento moral. Mesmo que a gênese das religiões esteja ligada à superstição e ao medo do desconhecido, e que todas as crenças tenham o sentido de um refrigério para o homem, sob o temor de castigos e anseios de recompensa, não se pode negar o papel positivo da religião no aperfeiçoamento moral do ser humano, malgrado as conseqüências funestas das crenças quando levadas ao paroxismo e aos extremismos fanáticos.
Assim, Dawkins é também religiosamente fanático, ao repudiar a religião vendo-lhe apenas os aspectos negativos, e sem enxergar-lhe os matizes positivos ao incutir no comportamento humano sentimentos de amor ao próximo, harmonia e solidariedade. A religião, tal como o Estado, surgiu no bojo da própria evolução cultural da humanidade. E mesmo as concepções religiosas podem evoluir, bastando mencionar para comprovação disso os períodos de treva do cristianismo, com a Inquisição e outras práticas de exclusivismo religioso levado aos extremos, que hoje, felizmente, são coisa do passado.
Por outro lado, abstraindo-se das dogmáticas intrínsecas a cada religião, a crença em Deus, e eventualmente na imortalidade da alma humana, são coisas que têm estreita relação com a Filosofia e conseqüentemente com o “sistema” filosófico de cada um de nós.
De qualquer forma, não se pode partir para o radicalismo de renegar completamente a religião. Mesmo sem professar qualquer credo religioso, e praticando o agnosticismo, ou mesmo o ateísmo, ninguém pode deixar de reconhecer, no mínimo, o caráter aprimorador da religião no desenvolvimento da cultura humana.
J. Dantas de Oliveira é Promotor de Justiça aposentado e advogado em São Carlos.