Passados quase trinta anos, a Retomada é hoje página de estudos da história do cinema brasileiro. Nesses quase trinta anos há diversos caminhos para se estudar a produção cinematográfica no país. Um dos traços notáveis ao nos reportamos à história pregressa de nosso cinema é a enorme diversidade de temas, assuntos, motivações, formas de circulação de filmes com a Retomada.

Há, de qualquer forma, um ponto que se destaca e nos instiga a refletir sobre a produção cinematográfica nacional. Pincelo o que de algum modo, com o devido cuidado no uso da palavra, pode-se nomear como “Cinema Pernambucano”. Tanto no que se refere à quantidade quanto à qualidade (legitimada com a presença, premiação e recepção crítica em festivais nacionais e internacionais), Pernambuco se sobressai no contexto amplo de nosso cinema recente.

Vale lembrar. O cinema brasileiro ao longo de décadas concentrou sua produção no eixo Rio/São Paulo. Produções localizadas ocorreram, certo, mas geralmente frutos de iniciativas individuais e continuidade errante. Também houve “surtos” de produção no que se convencionou chamar “Ciclos Regionais”.

A grande diferença com o passado é em primeiro lugar a longevidade da presença pernambucana em nosso cenário cinematográfico. Presença que, assim entendo, quebra efetivamente a “hegemonia” do eixo Rio/São Paulo (o “ciclo de cinema baiano” capitaneado por Glauber Rocha no início dos sessenta não teve o alcance do recente “cinema pernambucano). Convenhamos, desde o impulso dado por Baile Perfumado (1996), dirigido por Paulo Caldas e Lírio Ferreira na aurora da Retomada, Pernambuco mantém firme uma produção fílmica aguardada e que mobiliza os mais variados debates, discussões em âmbito nacional.

Apresentar razões para isso não é finalidade destas linhas. E sim, pondero, destacar que a produção pernambucana gera entusiasmo para que se escreva sobre ela. Esse o caso do crítico Ernesto Barros, que ao lado de Germana Pereira põe em circulação a História Ilustrada dos 100 anos do cinema em Pernambuco (Tangram Cultural, 147 pp.).

O livro de Ernesto e Germana exibe numa primeira visada o clima no estado que motiva a escrita sobre o que se tem feito. Mais, com um trabalho de pesquisa louvável, eles fazem um sobrevoo minucioso, abrangente e ilustrado sobre filmes pernambucanos desde o lendário “Ciclo do Recife”, na metade da década de 1920.

A exposição que apresentam é cronológica. Praticamente ano a ano são exibidas realizações que chamaram a atenção de algum modo. E que, por conseguinte, mostram como o fervor com a Retomada não foi um momento fortuito. O ambiente cultural fértil para diversas e diferentes gerações ao longo de 100 anos é o que se pode perceber sem grande esforço nas páginas assinadas por Ernesto e Germana.

A produção desses anos de Retomada e pós-Retomada não é obra do acaso. Está em diálogo e tem por referência as gerações passadas. Há, assim, um terreno sedimentado num ambiente cultural rico. E aqui, me abstendo de especulações talvez inoportunas, me permito afirmar que provavelmente o clima cultural, de agregação em torno de interesses comuns no cinema, seja um fator que torna o “Cinema Pernambucano” singular em nosso país.

Suponho que, mesmo não tendo explicitamente isso em vista, seja o de mais notável a se vislumbrar nas páginas escritas por Ernesto e Germana. O impulso dado em condições tão pouco favoráveis pelos pioneiros do Ciclo do Recife foi irradiado. Manteve com isso alerta e estimulada as gerações seguintes, que pegaram o bastão e seguiram em frente.

Temos, então, em História Ilustrada dos 100 anos… um amplo painel de filmes que atiçam a curiosidade do cinéfilo, do estudioso do cinema brasileiro. Ora, grande parte dos filmes catalogados e apresentados por Ernesto e Germana, mesmo hoje com facilidades de acesso com a Internet, são difíceis de serem vistos. Mas, justamente por isso, e acima de tudo, a importância em saber que existem, foram feitos e feitos em condições que dizem muito sobre as enormes dificuldades para se filmar e ter circulação merecida.

Importante. Enfatizar para o leitor que Ernesto não propõe um estudo de análise fílmica. Tampouco se atém a comentários localizados sobre os filmes. Seu objetivo, e o de Germana com o livro, é outro: oferecer um painel com um “mapa ilustrado” do que foi feito em Pernambuco desde Retribuição (1923), dirigido por Gentil Roiz, até Retratos Fantasmas (1923), dirigido por Kleber Mendonça Filho. Nesse amplo painel se pode ver, por exemplo, em condições “marginais”, as ricas e instigantes realizações em Super 8, na década de 1970. Momento no qual, de algum modo, foi aberto caminho para o que viria depois com a Retomada.

Bem, é isso. Estas as linhas que traço após a leitura de Ernesto e Germana. Leitura que me deixou imensamente curioso para ver tantos filmes que simplesmente não conhecia. O que para mim evidencia o quão temos a aprender sobre o cinema no Brasil e, igualmente, o quanto Ernesto e Germana foram generosos com a iniciativa da escrita e pesquisa para nos presentar com a História Ilustrada dos 100 anos do cinema em Pernambuco.

De sorte que, para mim, o livro de Ernesto e Germana é uma fonte de consulta para ter ao lado sempre que me deparar com a cena cinematográfica pernambucana.