brumadinho_-_franklin_valverde.jpgAinda era janeiro. Um longo e absurdamente quente mês de janeiro. Os paulistanos curtiam o feriado de aniversário da cidade, quando, de repente, uma tragédia no noticiário: rompimento da barragem de Brumadinho, centenas de desaparecidos no soterramento pela combinação de lama e rejeitos de mineração. O ano novo chegou com tudo. 

Poucos dias depois, nos primeiros dias de fevereiro, outro baque: incêndio no alojamento Ninho do Urubu, nome popular do Centro de Treinamento do Flamengo, o clube esportivo mais popular do país. Dez garotos carbonizados. Penso nos pais que não verão seus filhos de volta em casa, levo as mãos à cabeça e me desespero. Fecho os olhos e ouço Boechat falando de todas as irregularidades que envolveram mais essa tragédia nacional.

 

Na manhã de mais uma segunda-feira, onze de março, a tevê nos deu um grande choque. A morte repentina desse grande jornalista, um dos mais conhecidos do país, tirou todo mundo do prumo.

 

Eu não conhecia Boechat pessoalmente, o famoso jornalista Ricardo Boechat, embora tivéssemos amigos em comum. No entanto, mesmo sem conhecê-lo, a notícia de sua morte me fez passar o dia apático, atônito. Parecia que eu tinha perdido um familiar, alguém muito próximo.

 

Naquela segunda, muitos de nós, assim como ele, estávamos fora de casa. Na rua, no trânsito, no consultório do dentista, na faculdade, no parque, na lotérica. Quem de nós imagina que não voltará para casa no final do dia?

 

A morte de alguém conhecido e notório nos traz à mente aqueles clichês do tipo “viva o agora”, “não deixe nada para amanhã”. Falas como essas, apesar de chavões cansativos, têm seu fundo de verdade.

 

Quem de nós em sã consciência para pra pensar que algo como girar a chave na fechadura ou cumprimentar o porteiro do prédio ao sairmos pode estar sendo feito pela última vez?

 

Pois é, isso é possível, sim. E, inevitavelmente, um dia teremos feito essas e outras tantas coisas prosaicas pela última vez. Naquele dia tristonho, senti um alívio ao chegar em casa e ver novamente o universo particular que eu havia deixado lá de manhã, antes de sair. Meu filho, meus gatos, minhas cachorras, os papéis bagunçados na bancada do computador, o carrinho vermelho do Miguel esquecido no meio do corredor, a xícara de café que larguei em cima da mesa da varanda na pressa de não perder a hora.

 

Como se não bastasse esse chacoalhão da morte inesperada de alguém tão conhecido, houve também tragédias como os recentes alagamentos em São Paulo e no Rio de Janeiro, o massacre na escola Raul Brasil em Suzano (brasileiro adora copiar norte-americano nos horrores!), o “golden shower” postado pelo presidente e todos os descalabros da política nacional, mostrados a diário no noticiário. E, se você ainda não sabe, “menino veste azul e menina veste rosa”. Só que não.

 

Pois é… Pois é… Será, então, que vale a pena deixar aquele vinho guardado para “aquela” ocasião especial? É certo deixar aquele sapato novo e bonito na caixa até que apareça “aquele” convite para sair? A gente vive dizendo que tem de aproveitar o presente, mas estamos sempre esperando um tempo futuro para fazer as coisas, graças à nossa tola confiança de que não nos falta tempo, de que o amanhã sempre virá. Amigo, pegue leve, vá com calma. Não temos de pensar na morte o tempo todo, mas temos de pensar no que queremos e no que não queremos da vida. Os tempos não estão para ninharia.

 

Ilustração: Franklin Valverde