miguel_vai_a_escola_-_jamil_alves.jpgNem três anos de idade: uma mochilinha nas costas, um par de tênis nos pés e um futuro imenso pela frente. É nisso que penso quando vejo meu pequeno Miguel saindo de casa rumo à escola.É assim, Miguel agora vai à escola, e acho isso muita novidade para uma vida ainda tão curta (ontem ele fez dois anos e oito meses de idade apenas!).

A simpática escola de Miguel, mais que os números das primeiras continhas ou as letras das primeiras palavras, oferece, logo de cara, uma metáfora: uma escada de mármore por onde os pequenos vão subindo, agarradinhos ao corrimão branco, e nos deixando para trás a ver mochilas.

 

Nossos pequeninos filhos vencem as escadas de paredes amarelinhas e vão adentrando o ambiente escolar por um corredor ensolarado e com flores no final. Poderia haver metáfora mais linda que essa para os papais? Pode haver melhor desejo para um filho que não esse, o de subida, de crescimento, de ascensão por uma vida de luz e de flores?  

 

Antigamente, as crianças iam para a escola mais velhas. Costumavam ficar com suas mães em casa e com os amiguinhos da vizinhança jogando bola na rua. Hoje, os tempos são outros, a pelada de rua é cada vez mais rara de se ver e os pais estão cada vez mais fora de casa. É o trabalho moderno, “de Tempos Modernos*”, que remunera cada vez menos e exige cada vez mais.

 

Lá em casa, estamos todos felizes por Miguel, que parece satisfeito e achando tudo muito bom. Que o gosto pela escola o acompanhe ao longo de toda a vida, é o que um pai mais deseja para um filho. O saber, vindo da escola ou não, é bem precioso e imaterial, maior que a própria vida; é nossa única maneira de legar – e, ao fazê-lo, “imorrer”, de certo modo.

 

A única coisa que não consigo desejar a Miguel com relação à escola é que goste mais dela que de casa. Quero que Miguel adore a escola, mas que adore mais ainda voltar para casa para encontrar, a cada fim de tarde, meu abraço afetuoso de pai, saudoso por termos passado mais uma tarde longe um do outro.

 

Mandar um filho à escola é uma felicidade, mas também algo que nos deixa meio doídos por dentro. A ida à escola representa o nosso destino, que se vai descolando pouco a pouco – como eu não quero que seja, porém como tem de ser.

 

Espero que Miguel tenha muitos amigos na escola, mas que nenhum deles o faça perder a saudade de casa. Olívia, Caio, Manuela, Júlia e Luís são os cinco nomes mais citados em casa nos últimos dias, e eles são a prova de que já há outras pessoas – pequeninas, é verdade – que fazem parte da vida dele e não da minha: é o nosso destino, que se vai descolando pouco a pouco – como eu não quero que seja, porém como tem de ser.

 

Tomara que meu filho ame muito todos os seus professores, porém que nunca se esqueça que sou eu quem sempre terei o melhor afeto para lhe oferecer. Miguel na escola significa que ele nunca mais será só o pequenino bebê de pé no berço, com os bracinhos ao alto para mais uma manhã de troca de fraldas, papinhas e brinquedos: é o nosso destino, que se vai descolando pouco a pouco – como eu não quero que seja, porém como tem de ser.

 

O menino Miguel começou a viver sua própria vida, a percorrer firme o mundo com seus próprios passos. Desejo que esses passos o levem aonde ele quiser, e que, mais que passos, sejam asas para alçar voos: é o nosso destino, que se vai descolando pouco a pouco – como eu não quero que seja, porém como tem de ser.

 

Toda essa evolução de um filho representa, no fundo, o sentimento de ninho vazio que todo pai vai experimentando, inexoravelmente e em gradação, com seus filhos: é o nosso destino, que se vai descolando pouco a pouco – como nós não queremos que seja, porém como tem de ser! 

 

Oxalá o homem Miguel vá cada vez mais longe e cada vez mais feliz, sorridente e intenso. No entanto, mais que tudo isso, espero que seus passos sempre encontrem o caminho de volta para casa, para estes meus braços, agora e sempre estendidos.   

 

Este texto contou com a valiosa e sensível colaboração da amiga Angélica Carlini.  

 

* Filme de 1936, do cineasta Charlie Chaplin, protagonizado por ele mesmo, no qual um homem simplório luta pela sobrevivência num mundo moderno, industrializado, “frio”. Traz uma forte crítica ao modo de produção capitalista, que ganhou força a partir da Revolução Industrial iniciada no século XVIII.