mercedes_sosa_3.jpgA latinidade está um pouco mais pobre. Mercedes Sosa não está mais entre nós. Poucas vozes na música latina se levantaram tão alto e tão forte para defender uma América Latina livre e uma vida melhor para seus povos. Mercedes tomou para si a responsabilidade de gritar contra as injustiças das ditaduras latino-americanas, que não foram poucas, destas últimas cinco décadas.

Comecei a ouvir Mercedes nos anos setenta cantando Gracias a la vida, porque me ha dado tanto, me ha dado la risa y me ha dado el llanto, e também Los Hemanos com sua hermana muy hermosa que se llama libertad.

A beleza de sua voz e sua força artística, sempre ao lado dos menos favorecidos, me incentivou a criar o Radio Hispanidad, programa de música latina apresentado na Brasil 2000 FM, em cuja programação a presença de Mercedes era constante.

Guardo com especial carinho muitos momentos de meus encontros profissionais com Mercedes Sosa. Comparto aqui com vocês três deles como minha singela homenagem a essa diva da música.

Por essas coincidências da vida, foi com la Negra – como era carinhosamente chamada em sua Argentina – que fiz a minha primeira reportagem internacional. Em uma de suas inúmeras visitas ao Brasil, fui até o Maksoud Plaza para entrevistá-la. Estava na ante-sala da suíte e esperava a sua entrada, havia muita expectativa e alguma ansiedade. Mercedes entra e tem um acesso de tosse fortíssimo, passa direto por mim e pelo seu staff que ali também a aguardava. Todos se olham assustados. Pensei: “Pronto, ela vai acabar cancelando a entrevista”. Passados alguns minutos ela volta e começamos um bate-papo que dos dez minutos previstos se transformaram em mais de uma hora. Foi uma conversa agradável com a qual ela me cativou definitivamente. O material foi riquíssimo e rendeu dois belos programas.

Depois desse primeiro encontro no final dos anos oitenta, sempre que visitava o Brasil, Mercedes Sosa participava do Radio Hispanidad. Isso fez dela uma espécie de madrinha do programa, uma figura especial sempre presente nos brindando sua simpatia, seu bom astral e sua encantadora voz. Foi também de Mercedes Sosa que recebi, como jornalista, um dos mais emocionantes depoimentos sobre meu percurso profissional. Nos anos noventa, participando de uma de suas coletivas, tive a honra de ter sido cumprimentado por ela antes das perguntas de todos os meus colegas e de receber publicamente um elogio pelo meu trabalho em prol da música e cultura latino-americanas. Ela não precisava ter feito aquilo e nem sei se eu merecia tanto, mas o fato é que a sua generosidade, naquele momento, foi imensa para um jovem repórter.

Outro momento inesquecível foi quando realizei o sonho de qualquer fã: assisti um dos seus shows ao lado do palco, nos bastidores. Foi em uma das suas muitas apresentações no Memorial da América Latina. Essa, especificamente, ao ar livre. Lá pude comprovar a sua força e liderança tanto com os músicos de sua banda, como com aquele imenso público que vibrava a cada uma de suas canções.

Mercedes Sosa foi uma das pessoas mais cativantes que conheci e com as quais – mesmo que em poucos e raros momentos – tive o prazer de conviver. Sua grandeza era imensurável. Ela conseguiu a admiração de artistas de concepções estéticas tão diferentes como Charly García, Fito Paez, León Gieco, Victor Heredia, Tarragó Ros, Milton Nascimento, Fagner, Bete Carvalho, Shakira ou Joan Manuel Serrat, alguns das dezenas de nomes que com ela gravaram.

Sou seu assíduo e incansável ouvinte e sei que assim continuarei, pois sua voz está eternizada, porém sua presença não será mais possível. Ficamos, eu e muitos de minha geração, um pouco órfãos. Não mais veremos la Negra tomando e domando todos os palcos da América Latina e do mundo com sua voz forte e lenço girando ao vento. Adiós, Mercedes. Você já está fazendo muita falta.

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