saudade_-_franklin_valverde.jpgNuma manhã plúmbea de outono, folheia Lúcio Cardoso, Crônica da casa assassinada, lembra do filme dirigido por Paulo Cézar Sarraceni e, assim como se atém ao romance, se atém igualmente a seu diário, onde lê o que escrito ao acaso soa como aforismo. “Saudade e nostalgia são duas palavras com semântica aparentemente idêntica. No uso diário, elas se permutam numa conversa casual; ambas têm no passado a reativação de uma experiência vivida. Nenhum problema falar que uma lembrança gere saudade, ou que se guarde com nostalgia uma experiência… Mas, será que a retenção de uma experiência, como se o presente fosse fonte de tristeza, como se não se quisesse abandonar o que passou (o passado sobrevive no presente), é a mesma coisa que ser tomado por um acontecimento cujo sentido está, justamente, em saber que o mundo que o gerou não mais existe, que o presente é o que se vive, e o passando tão só lembrança?”.

 

Voltou à Crônica… de Cardoso, um livro escrito a partir de escritos soltos, como este que ao acaso recolheu de anotações passadas. Ler Cardoso lhe reativou o sentimento de quando o leu pela primeira vez, adolescente, passados tantos anos. E, passados tantos anos, sabia que a semântica pode nos ludibriar. Assim, o sentido das palavras, saudade ou nostalgia, para ele era indefinido, senão quando em ofício precisava justificar que para nós são convenções e meditar sobre elas é um exercício enfadonho.

 Ilustração: Saudade – Franklin Valverde