dona_didi_-_divulgacao_-a.jpg“Meu querido menino grande, agora entendo o motivo pelo qual você postou, outro dia, que não gosta desta época de Natal. Seu texto é lindo, porém triste. Deus queira que nós, seus professores, tenhamos dado a você a atenção de que precisava. Meu colo sempre terá um lugar para você. Hoje e sempre”.

E assim começou o meu 2016, logo no primeiro dia do ano, com a mensagem doce e emocionada deixada no inbox do Facebook. Dias antes, Dona Didi, a queridíssima Dona Didi, havia lido um texto meu, uma crônica que escrevi sobre minha infância e os tempos eu que fui seu aluno, nos já remotos anos 80. Para usar um clichê, 2016 começou para mim com “chave de ouro”.

 

Eu conheci Dona Didi em 1986, no Irene Ribeiro, o colégio das minhas melhores recordações de infância. Ela foi minha professora de Educação Artística até 1989, meu último ano naquele lugar encantador que povoa até hoje o meu imaginário com recordações e memórias doces.

 

Dependendo do ano, as aulas de Educação Artística aconteciam duas ou três vezes por semana. As tardes em que essas aulas aconteciam costumavam ser as mais alegres, as mais cheias de encanto e beleza, não só pelos temas, mas pela maneira bela como Didi conduzia tudo.

 

São infindáveis as memórias daquelas aulas, aqueles encontros magníficos. Num ensaio de coral, metade da sala entoava “Bumba meu pai do campo, oh, oh oh, bumba meu boi bumbá, bumba meu boi bumbá”. Em seguida, a sala toda, em êxtase: “Ele não sabe que seu dia é hoje, ele não sabe que seu dia é hoje, e o céu forrado de veludo azul marinho veio ver devagarinho onde o boi ia dançar…”. Mais que arte, aquilo era magia pura.

 

Em 1988, fizemos para a escola toda uma grande exposição, cujo tema eram os “Sem anos da abolição da escravatura”, e o “cem” grafado com S foi sugestão genial da professora, a Didi e seu sorriso encantador, com aquela alegria que foi sempre uma luz a nos guiar.

 

Depois de 1989, mudei de escola, fui fazer o Ensino Médio em outro bairro. Perdi o contato com Didi, com quase todos os colegas e professores de então, daquele tempo feliz e de um lugar de tantas histórias de felicidade e amor. No entanto, as memórias me eram tão vivas que foi como se não houvesse acontecido nenhuma interrupção no tempo, nenhum hiato em nossas histórias comuns.

 

Neste momento, eu queria ser capaz de escrever algo bom sobre perder a Didi, que agora deve estar rodeada de anjos (sim, porque tenho certeza de que era um deles, só que encarnado na Terra!), mas não consigo. Não lido bem com essas perdas tão intensas, esse grande escárnio celestial que é a morte. Depois que ela olha tão profundamente nos olhos alguém que amamos, tudo fica com ar de “ausência que se demora, uma despedida pronta a cumprir-se”, como escreveu Cecília Meireles certa vez.

 

No entanto, apesar da dor e do pesar, penso em Didi e me alegro por saber que teve uma vida plena, bem vivida, cheia de arte e de candura. Nos últimos tempos, acompanhei sua vida pelas redes sociais, pelos inúmeros textos e conversas que compartilhávamos. Ela sabia mais de mim do que muita gente achegada.

 

Nossas mensagens privadas na rede social eram uma espécie de confessionário para mim, e me parecia incrível a intimidade que tínhamos, mesmo depois de tantos anos sem nos vermos realmente, presencialmente.

 

Sem que eu tivesse podido prever sua partida tão repentina, esse confessionário é e será, daqui para frente, um imenso relicário virtual ao qual voltarei toda vez que a saudade apertar.