stop_violence_against_women_by_franklin_valverde.jpgPlanta vascular que não produz sementes, pois se reproduz por esporos que dão origem a um indivíduo de proporções geralmente mínimas e de vida curta, o protalo. O protalo produz gametas para dar origem a uma nova planta. As samambaias, quando totalmente desenvolvidas, são formadas por um caule, suas folhas são compostas e recompostas muitas vezes e podem ter forma de língua.

Antes que pensem que fiquei doido, decidi falar das samambaias porque este, certamente, é um assunto muito relevante. Afinal, se no tema da redação do ENEM, que poderia ser a crise econômica, a queda do PIB ou a situação dos refugiados sírios, resolveram abordar a persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira e tanta gente chiou, deve ser porque o assunto não tem relevância.

Todos esses temas são relevantes, sim, nenhum deles é banal. Em qualquer um, toda pessoa minimamente escolarizada e sensível poderia encontrar um bom caminho para elaborar um texto, mas o tema da violência contra a mulher causa assombro porque estamos acostumados ao silêncio. Parece que, para muita gente, agredir uma mulher é algo normal, faz parte da cultura – como se houvesse mulheres que mereçam apanhar ou até que “peçam” isso com seu comportamento.

O que estarrece nem é tanto o fato de alguns não terem conseguido falar desse assunto. Afinal, falar da violência doméstica ou da violência contra a mulher de forma mais ampla ainda é um tabu, as escolas não falam disso. Ou pode ser que não tenham conseguido falar desse tema porque, por sorte, alguns candidatos não o viveram nem presenciaram.

Mas o que causa espanto mesmo, no entanto, é o mundaréu de gente desenvolta para discorrer a respeito das maravilhas do iPhone 18, da água de Marte ou do lançamento do último seriado enlatado, mas completamente néscia quando o assunto é o sofrimento humano. Há um sentimento de “isso não é comigo” permeando nosso dia a dia, típico de uma sociedade que aprendeu a inverter as relações: em vez de amar as pessoas e usar as coisas, estamos amando as coisas e usando as pessoas.

Houve, ainda, gente pouco iluminada pelas luzes da inteligência a dizer que falar da violência contra a mulher é uma discussão de esquerda. É tragicômico imaginar que só pessoas de esquerda se interessem por discutir a violência. Minha mãe não deve nem saber que a política tem lados e, enquanto ela apanhava, eu me alternava entre me meter na briga ou correr à casa dos vizinhos para pedir ajuda – e isso sem me preocupar com questões ideológicas, esquerda, direita, centro. Eu só queria a minha mãe em segurança.

Pessoas não são de esquerda, pessoas não são de direita. Pessoas são gente em primeiro lugar, e isso está muito além de questões ideológicas ou político-partidárias. A violência contra a mulher é uma chaga social sorrateira, velada, consentida. Deveria ser tema de propagandas, de filmes blockbusters, de camisetas, de capinhas de celular. Deveria ser tema de debates políticos – de esquerda, de direita, de centro, de cima, de baixo, de torto e de direito!

Enquanto houver quem ignore as Malalas, a banalização do estupro de meninas indianas, as ofensas à garotinha do Masterchef Junior e os gritos da vizinha do lado, talvez seja melhor continuar a falar de coisas realmente relevantes: a samambaia apresenta, em sua face inferior (ou abaxial), pequenos órgãos chamados soros, que contêm os esporos. São plantas que se adaptam facilmente aos apartamentos, às casas com pouco espaço externo e à indiferença dos outros.

Ilustração: Poema visual Stop violence against women de Franklin Valverde.