O problema é crônico em todas as regiões do País

maria_lucia_da_silva_-_foto_jamilson_silva.jpg“Eu preciso colocar minha caçula na creche. Eu e meu marido não estamos aguentando essa situação. Assim não dá!”, esbraveja a auxiliar de escritório Renata Almeida, moradora da Vila Prudente, zona leste de São Paulo, mãe de duas meninas – Rafaela, de três anos e meio, e Júlia, de apenas seis meses. Renata é uma mãe que luta para conseguir vaga para seu bebê em uma creche da região e relata seu drama. Sua licença maternidade chegou ao fim, e agora o marido, escriturário em uma agência bancária no vizinho bairro da Mooca, corre o risco de perder o emprego porque vem tirando licenças sucessivas para ficar em casa com a criança.

A rotina da família é dura e envolve um “esquema militar”, segundo Renata: “Como eu saio muito cedo, tenho de arrumar a Rafaela e cuidar da Júlia antes das 6h15. A perua da Rafa passa às 6h30; aí eu amamento a Júlia e saio para trabalhar. Como o Eduardo [seu marido, pai das meninas] entra mais tarde, é ele que fica com a pequena e às vezes acaba faltando ou tirando licença no banco. Às vezes ele leva a Julinha para a casa da mãe dele; mas ela é doente e bem idosa, não dá para contar sempre com ela”.

Para tentar superar essas adversidades, Renata procurou a Secretaria Municipal de Educação e, segundo ela, disseram-lhe para deixar o emprego porque, neste ano, seria impossível conseguir uma vaga para Júlia. “Sei que não sou a única mãe com este problema, mas preciso de ajuda”. 

A renda familiar dela não chega a R$ 2 mil e só de aluguel, perua escolar da Rafaela (pois a creche onde fica não tem transporte gratuito), alimentação, água, luz e telefone a família alcança o gasto mensal de cerca de R$ 1.350,00, fora vestuário e fraldas. E Renata e Eduardo ainda não sabem como vão resolver a situação da filha mais nova.

Embora o direito à creche seja fundamental e previsto na Constituição Federal, atualmente ele é desrespeitado em quase todo o País. Segundo dados da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, 93.476 crianças aguardavam vaga nas creches em março deste ano, enquanto havia 96.217 matriculadas, o que indica que quase a metade das crianças que necessitavam de uma vaga estava fora das creches.

De acordo com informe divulgado pelo jornal Folha de S.Paulo, comparados a junho do ano passado os números só aumentaram. Naquele mês, 87.851 crianças aguardavam uma vaga. Destas, 42 mil ainda continuavam na lista em março de 2011.

Uma das áreas mais afetadas com a falta de vagas nas creches é a zona sul de São Paulo. O distrito que apresenta o maior déficit, registrado até março, é o Grajaú, onde 5.003 crianças aguardam uma vaga. Além dele, Jardim São Luís, Jardim Ângela e Capão Redondo também se encontram entre os distritos mais carentes de vagas nas creches municipais.

Criança pequena precisa de atenção o tempo todo. Quando os pais têm de trabalhar, a creche é uma solução. Mas há mães que não conseguem sair da fila de espera. A doméstica Ana Cláudia Gomes, moradora do Jardim Ângela, aguarda há um ano por uma vaga para Gustavo. Para Michel, o caçula, ela nem chegou a fazer a inscrição. “Fica difícil, porque precisa trabalhar para poder ter alimentação para as crianças, comprar roupas, essas coisas. E remédio também quando criança precisa”, desabafa ela.

A doméstica Nadir de Morais, vizinha de Cláudia, também precisa trabalhar e sofre o mesmo problema; e, por não encontrar vaga nas creches próximas à sua residência, não sabe ainda com quem deixar a filha de dois anos: “Está devagar, não está tendo vaga. Mas a gente vai continuar correndo atrás”.

O bairro de Paraisópolis, também na região sul de São Paulo, tem a população de uma cidade: são cem mil habitantes. Há três creches – uma é municipal e duas têm convênio com a prefeitura. Atendem juntas 1.200 crianças. Mas, de acordo com o último levantamento da Associação de Moradores, outras cinco mil crianças precisam de vagas e não conseguem.

Segundo a Prefeitura Municipal de São Paulo, na favela de Paraisópolis há cinco creches e não três. Mas, pelo levantamento da Prefeitura, o número de crianças atendidas é menor: apenas 700. A fila de espera ali, ainda de acordo com a prefeitura, atualmente tem 1.348 crianças cadastradas.

Nos demais municípios da Grande São Paulo, os números também são expressivos: cerca 50 mil crianças aguardam na fila. Exemplo dessa realidade é o caso da diarista Maria Lúcia da Silva (foto), moradora do município de Itapevi: “faz tempo que desisti de procurar creche. Hoje deixo minha filha Laura, de três anos, com uma senhora que toma conta dela e que tomou conta do meu filho Jonatan, que hoje está com 15 anos”. A creche mais perto da sua casa, segundo ela, não tem vaga e é um pouco longe. “Eu tenho que sair muito cedo, eu trabalho em São Paulo”, lamenta.

A falta de vagas em creches não é exclusividade da Grande São Paulo. Ela atinge todo o país. No Rio de Janeiro, a situação é ainda mais grave: 30.189 crianças estão matriculadas e outras 100 mil estão à espera de uma vaga. Em Belo Horizonte, 60 mil crianças são atendidas, mas 7.700 ainda estão na fila. Em Belém, seriam necessárias 13 mil vagas para atender a demanda. No entanto, existem somente 11 mil.

Apesar do panorama insatisfatório, o censo escolar de educação básica do INEP mostra que, mesmo assim, a oferta de vagas nas creches cresceu 8,3% no Brasil em 2009. Movimentos de defesa da educação calculam que seria necessário criar, pelo menos, 10 milhões de vagas para acabar com o problema.

O Plano Nacional de Educação prevê que até 2011 pelo menos metade das crianças de zero a três anos estejam em creches. Para isso, o Brasil precisaria criar 4,2 milhões de vagas.

O fato concreto é que não há vagas suficientes para as crianças entre zero e três anos nas creches públicas do País. Quem precisa trabalhar e não tem com quem deixar os filhos, simplesmente não tem opção, embora toda criança tenha direito a vaga em creche pública.

A falta de creches expõe a criança a vários riscos

Pesquisas demonstram que os primeiros anos de vida são os mais importantes para o aprendizado. Mas pelo menos 30% das mulheres brasileiras com filhos de zero a seis anos não conseguem vagas em escolas públicas para suas crianças. Os dados são do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Todavia, os dados oficiais não revelam a gravidade do problema, pois se estima que a demanda real por vagas em creches é ainda maior. Muitas pessoas ficam de fora desses levantamentos por nem chegarem a se cadastrar nas listas de espera.

Embora não seja obrigatório matricular as crianças de até três anos, a vaga nas creches é um direito previsto em uma lei que regula a Educação Nacional; é a chamada Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Segundo essa legislação, os municípios, com o apoio do Estado, têm o dever de garantir creches e pré-escolas públicas para todas as crianças.

O Ministério Público já determinou a criação de vagas em São Paulo, mas a administração municipal não resolve o problema e as filas permanecem. Com isso, muitas mães não podem trabalhar ou deixam os filhos com as crianças mais velhas, que vão para os semáforos da cidade e pedem dinheiro com os irmãos mais novos no colo. Menores sem creche ou escola ficam expostos à violência, à delinquência, ao abuso sexual e aos acidentes domésticos.

O “Movimento Creche Para Todos” procura ajudar as milhares de crianças excluídas da educação. Esse movimento tem representação em vários pontos da capital paulista e tem sido útil a muitos pais na busca de vagas para seus filhos.

Em seus diversos trabalhos, a professora Leda Oliveira Rodrigues, da Faculdade de Educação da PUC de São Paulo, alerta para o fato de que, sem o devido estímulo até os cinco anos, a criança costuma sentir muita dificuldade na alfabetização. E que, consequentemente, isso pode prejudicar todo o seu desenvolvimento cognitivo, comprometendo, em muitos casos, sua vida adulta.

 

Foto: Jamilson Silva