O argentino Fito Páez é um dos principais artistas argentinos, fazendo sucesso em seu país e no mundo todo. Recentemente a Netflix lançou a série “Amor e Música: Fito Páez” sobre sua vida, um belo convite para quem quer conhecer mais detalhadamente o percurso desse músico. Aqui reproduzo para vocês uma entrevista que fiz com o Fito, originalmente para o programa Radio Hispanidad, na antiga Brasil 2000 FM, e depois parte dela reproduzida, em 2001, na CHUCHU, como era carinhosamente chamada a revista Churrasco & Churrascaria, da qual fui editor. Confiram a entrevista.

 

 

Fito Páez, a invasão portenha

As sonoridades do Mercosul cada vez mais se fazem ouvir aqui pelo Brasil. É o caso do argentino Fito Páez, que está com um novo disco nas prateleiras, o Rei Sol (2000), lançado pela Warner. Amigo do compositor e cantor Herbert Viana, líder do grupo Paralamas do Sucesso, ele teve participação especial no disco Grãos (EMI), uma de suas primeiras aparições em nosso dial. Anos depois, Fito Páez foi escolhido pela Warner para inaugurar o pacote musical “Fúria Latina”, uma série com bandas de rock espanholas e latino-americanas. Recentemente, ele teve outra participação especial no CD Acústico (Warner) do Titãs, cantando com a banda a música “Go Back”. Outro fato que mostra que Fito Páez está mais presente do que pensamos entre nós, foi a escolha feita por Caetano Veloso na música “Un Vestido e Un Amor”, de autoria do argentino, para fazer parte do seu Fina Estampa, um dos mais belos trabalhos da carreira do músico baiano. Uma curiosidade, seu nome vem do diminutivo de Rodolfo, Rodolfito. Ao que tudo indica, Fito Páez se prepara para invadir a praia brasileira e estender sua esteira nas areias que já receberam Carlos Gardel, Astor Piazzolla e Mercedes Sosa.

 

Como você se autodefine musicalmente: um cantor de rock, pop, música argentina ou as três coisas?

A música argentina é um fenômeno um tanto complexo, como cada coisa que acontece na América Latina. Buenos Aires se converteu, neste final de século, em uma espécie de Babilônia ou Torre de Babel onde estão os mais variados tipos de literatura, de música, estilos, formas e maneiras de fazer as coisas. Não só pelo lugar em si, mas pelos tempos que correm. Nós temos muita informação, muita história. A cidade era um lugar muito preconceituoso, mas agora está se abrindo ao mundo. Minha música tem tudo isso e mais Gershwin, Debussy, Sinatra, Jobim, folclore argentino, tango, Beatles e também Caetano. É um pouco difícil dar uma definição precisa, mas acho que se poderia dizer que é música argentina, porque ‚ uma música desse lugar.

 

Mais detalhadamente, quais são suas influências musicais?

As primeiras influências são as músicas dos filmes de Hollywood, que meu pai ouvia em casa quando eu era menino, as músicas de Jobim, Piazzolla e o tango em geral, pois ele estava presente todo o tempo, na escola em casa, no ônibus e no rádio. Eu diria que o tango foi a maior influência. Mas eu fui diretamente tocado quando escutei Beatles, que foi a grande motivação para a minha entrada na música. Depois Charly García e Luis Alberto Spinetta que foram os músicos argentinos que reproduziram esse espírito com um sotaque local. Acho que essas são as influências mais importantes.

 

O que representa o tango para o argentino Fito Páez?

É a música mais importante para mim e para a Argentina, a mais representativa e com maior tradição, além de ter muitíssima qualidade. O rock em muitos poucos momentos chegou perto da qualidade do tango. Só com Charly, Spinetta, Los Gatos, Manal, Almendra e Invisible, pois tinham essa qualidade jazzística e orquestral do tango.

 

A Argentina‚ um dos poucos países latino-americanos que tem uma tradição roqueira desde os anos 60. Como essa tradição marcou sua obra?

É uma tradição que tem mais de trinta anos, desde o começo dos anos 60. No início havia uma necessidade de ouvirmos o texto, originalmente em inglês, em espanhol. Essa tarefa foi feita pelo Los Gatos, um grupo formado por Litto Nebbia, que é um compositor importante na Argentina. Isso foi bastante avançado para a época. Depois foi expandindo e apareceram poetas incríveis como Luis Alberto Spinetta com o grupo Almendra, Javier Martinez e o grupo Manal, Billy Bond (ex-Joelho de Porco), que vocês devem conhecer pois mora aqui em São Paulo, formando entre 60 e 70, o grupo La Pesada del Rock’n’ roll. E Sui Generis, que incorporava elementos dos Beatles e country. Esses músicos foram evoluindo, marcando um tempo pessoal que influiu em suas diversas etapas e também, de uma ou outra maneira, na minha música.

 

O público brasileiro tem uma certa dificuldade para ouvir o rock cantado em espanhol. Como você encara esse fato?

Não acho que seja uma dificuldade brasileira. Os impérios americano e britânico pensam muito bem no que fazem e têm grana. Eles investem tudo em lugares como Brasil e Argentina, que além de tudo são mercados importantes. Além disso vocês tem uma música importantíssima na América Latina, acho que é a mais importante da América do Sul, da América eu diria, junto com os negros americanos. Então a música em espanhol, em termos corporativos, economicamente fica relegada, pois vem de um lugar pobre, sem recursos, não podendo competir ante a música em inglês, além da defesa que o Brasil faz da sua música frente a invasão da música estrangeira…

 

…mas isso não acontece muito por aqui. O brasileiro não defende tanto a música brasileira contra a invasão da música americana.

Eu acho que sim. Possivelmente vocês aqui dentro não percebam, mas de fora vemos como se mantém a tradição todo o tempo, em todos os níveis, tanto no intelectual como no popular. Isso é uma coisa importantíssima. Mas os artistas mantêm tradição, ou seja, escutar Caetano e Gilberto, retomar a Bahia novamente é muito emocionante, de verdade. A vida passou por aqui, isso se nota e tem eco na gente. Na Argentina não foi assim…

 

Isso que eu queria dizer. A Argentina recebe a música brasileira muito mais aberta do que nós com relação a vocês.

Também… A música brasileira tem um detalhe a mais, que é uma grande música. Agora na Argentina alguns expoentes realmente conseguiram chegar em um ponto importante para que a música seja transladada para fora, para que seja identificável como música argentina. Agora ela está consolidada. Esse processo a música brasileira viveu há muitos anos atrás. Por isso Caetano, Djavan, Gilberto Gil, Egberto Gismonti, Hermeto Paschoal e inclusive Roberto Carlos são músicos aceitos em Buenos Aires, tanto quanto como quando vieram Miles Davis, Bill Evans, Gary Burton, ou qualquer artista estrangeiro. Eu acho que a música argentina, depois de Piazzolla e possivelmente da voz de Mercedes Sosa, está retomando um caminho interessante, original, novo e que os brasileiros podem se interessar, pois ela já está  mais madura.

 

No Brasil você lançou o seu primeiro disco em 1986 que, infelizmente, não aconteceu. Podemos dizer então que a sua verdadeira entrada no mercado brasileiro se deu com a participação no disco Grãos, do Paralamas do Sucesso, inclusive o principal hit do disco, o “Trac Trac”, é de sua autoria. Fale sobre o Paralamas e o Herbert Vianna.

O Herbert é para mim o amigo brasileiro, um irmão de sangue. É o primeiro analista sério que eu escutei sobre o rock argentino. Ele é o elo que continua Caetano e Gilberto Gil. Não perdeu a tradição e conseguiu incorporar novos elementos do rock, do reggae e do ska, das novas músicas que estão sendo ouvidas no mundo. Ele se converteu em uma personalidade muito interessante, além de ser uma pessoa muito afetuosa, muito engraçada.

 

Como foi a participação no disco?

Ele me ligou: “Oi Fito, estou aqui no Rio e vou gravar ‘Trac Trac’. Eu disse: Você está  maluco, essa música ninguém ouve, é a última música de um disco que está  por aí, perdido na Argentina, você está muito maluco. ‘Você acha isso?’ Eu acho.” Depois disso ele me mandou uma passagem de avião, fui ao Rio, fizemos a versão, eles já tinham gravado a base, eu toquei piano, órgão e fiz umas vozes. Foi um sucesso importante. O Herbert tem faro para as músicas. Pode aparecer uma letra hermética, que ele sabe encontrar o ponto. Acho que ele é uma grande personalidade.

 

No seu primeiro disco brasileiro Caetano Veloso participou na faixa “Rumba do Piano”, o que ele representa para você?

Para mim Caetano é o músico e o poeta mais importante na América Latina, principalmente como personalidade. É um buscador, uma pessoa muito especial, entendedora de outros fenômenos não somente na música e na poesia. Ele se interessa pela literatura, pela tradição, pelas coisas populares. Ele pesquisou sobre a música brasileira, teve contato com poetas, com outros autores, com Roberto Carlos, com Michael Jackson. É uma pessoa muito integradora na América Latina, tendo uma compreensão dos momentos complicados e difíceis que vivemos. Caetano está muito comprometido com esse pensamento e demonstra todo o tempo. Eu o adoro e respeito muitíssimo.

Assista no Canal Onda Latina um vídeo sobre a obra de Fito Páez:

https://www.youtube.com/@canalondalatina