carlos_bonfim.jpgOs apreciadores da cultura da América Latina têm um espaço privilegiado para curtir a boa música no programa radiofônico Latitudes Latinas. Criado e apresentado por Carlos Bonfim (foto), que é professor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Prof. Milton Santos (IHAC/UFBA), o Latitudes é exibido nas rádios Educativa, em Maceió e em Salvador, além de poder ser acessado via internet. Bonfim, que também foi apresentador do programa de rádio Parangolé Manero, no Equador, dedicado à música brasileira, conta nesta entrevista exclusiva como surgiu o seu Latitudes Latinas, a sua experiência equatoriana, o atual panorama da música latina e as novidades que os seus ouvintes podem aguardar para este ano de 2011. Confira.

 

Como surgiu a idéia de criar o programa Latitudes Latinas?

Carlos Bonfim – O Latitudes Latinas é um desdobramento de minha tese de doutorado, defendida no Programa de Pós Graduação em Integração da América Latina, da Universidade de São Paulo. É na verdade um projeto maior que inclui um grupo de pesquisas sobre música e cultura latino-americana, vinculado ao programa de pós-graduação no qual trabalho, na UFBA, e atividades de extensão: o programa de rádio e um ciclo de encontros sobre questões afins. O programa de rádio surge também de uma inquietação cultural, pedagógica e política. Embora tenhamos avançado muito nos últimos anos, acho que ainda conhecemos muito pouco do que se faz nos países vizinhos. E isto inclui, além da produção cultural (música, fotografia, dança, literatura, cinema etc.) também a produção acadêmica, teórica, crítica. Assim, de modo similar a outros projetos dedicados – no Brasil – à América Latina, o programa busca contribuir para esta mais do que necessária aproximação. Pessoalmente venho tentando já há alguns anos acompanhar o que vem sendo feito por nossos hermanos. No âmbito específico da música, devo muito a iniciativas pioneiras como as de Abílio Manoel, que conduziu durante alguns bons anos o programa América do Sol, na Rádio USP, e alguns anos depois a sua própria, Franklin, com o Radio Hispanidad, que foi muito importante para minha formação naqueles anos da faculdade e depois também. Quando voltei ao Brasil em 2002, depois de ter passado seis anos no Equador, vinha com a idéia de continuar aqui no Brasil o trabalho que fazíamos em Quito com a música e a cultura brasileira. Apenas em 2007 pudemos concretizá-lo numa parceria entre a Universidade Federal de Alagoas e a Rádio Educativa FM de Maceió.

Quando você já morou no Equador comandou o programa de rádio Parangolé Manero. Como foi essa experiência de apresentar um programa de rádio em outro país que não o seu?

Carlos Bonfim – Ter morado no Equador foi uma das experiências mais fecundas que já vivi. Além do excelente curso de mestrado (que me permitiu ampliar de maneira significativa meu olhar sobre o continente), foi fundamental ter conhecido as pessoas, os lugares, os trabalhos que conheci. Parangolé Manero era um programa diário dedicado à música e à cultura brasileira. Eu trabalhava no Instituto Brasileiro-Equatoriano de Cultura e propus à direção da Radio La Luna que fizéssemos ali o programa. Eles toparam na hora e foi uma experiência muito, muito boa. Havia uma receptividade muito grande e muita interação também. Uma vez por semana a gente transmitia o programa do Café de La Luna, um espaço cultural que funcionava no edifício da rádio. Era ótimo porque era um momento muito legal de encontro com os ouvintes do programa, gente muito carinhosa e super interessada em conhecer mais sobre o Brasil.  Para mim foi também uma experiência muito interessante, porque era um desafio constante procurar apresentar uma amostra bastante diversificada da música que se faz em diferentes regiões do Brasil. Foi uma ótima oportunidade para ampliar também meu olhar sobre o Brasil.

Como tem sido a receptividade do Latitudes Latinas?

Carlos Bonfim – Muito boa. A partir de minha experiência como ouvinte de rádio e como pesquisador e de agente cultural, eu intuía que poderia ser uma experiência muito positiva. Mas a receptividade, o carinho, o apoio, a cumplicidade dos ouvintes superou todas as expectativas. E acho que isto só confirma o quanto temos por compartilhar por aqui. Mas acontece algo muito interessante também: como a gente disponibiliza o áudio do programa no site, ele é ouvido também por pessoas em outros países. E tem sido muito legal também receber este retorno das pessoas. Isto tem contribuído também para criar uma rede de contatos muito legal em diversos países do continente. Há diversos artistas independentes que vêm apoiando o programa, enviando informações, música, vídeos etc. E ouvintes de alguns países que nos disseram que a partir do Latitudes conheceram também coisas legais de seu próprio país… Legal isso, né?

O programa é exibido em Maceió e em Salvador. Qual a diferença entre os dois públicos do Latitudes?

Carlos Bonfim – Não identifico uma diferença substancial entre os dois públicos.  Como nos dois casos o programa é transmitido por rádios educativas, o público acaba tendo um perfil bastante parecido. Talvez, uma possível diferença tenha a ver com a interação do público com o programa. Temos mais intervenções do público de Salvador (me refiro aos ouvintes que interagem mais com a gente, que enviam mensagens, que deixam recados no site etc.). Mas acho também que o perfil (e o tamanho) das duas cidades faz diferença no que se refere à interação. Outro aspecto importante acho que tem a ver com o formato que o programa tem em cada uma das emissoras. Em Maceió o programa vai ao ar aos sábados, das 10h00 às 11h00 da manhã. Em Salvador, vai ao ar de segunda a sexta, em formato de programetes: sai em dois horários por dia com uma duração aproximada de 5 minutos em cada inserção. Ainda não medimos isso, mas estes dois formatos sugerem uma coisa importante: que no formato de 60 minutos – o de Maceió – a gente conta com um público que pode sintonizar a emissora naquela hora específica por causa do programa, como acontece com os programas que abordam um determinado repertório/estilo (jazz, blues, rap etc.). No formato de 5 minutos – o de Salvador – a gente entra no meio da programação geral da rádio. Isto é, o público acaba sendo um pouco mais difuso aí. Acho interessante esta idéia de não segmentar o público. Esta é, aliás, uma política interessante da Rádio Educadora: além dos programas específicos/temáticos, eles inserem esse repertório ao longo de toda a programação. Estamos preparando uma proposta para a Associação de Rádios Públicas do Brasil em que vamos explorar um pouco mais esse formato de programetes.

O Latitudes Latinas, além de ser veiculado no rádio, também tem um site, o http://www.latitudeslatinas.com . Como se dá o diálogo entre as duas mídias?

Carlos Bonfim – A idéia inicial era que o ouvinte encontrasse no site mais informações não apenas sobre os artistas e as canções que a gente apresenta no programa, mas também que tivesse contato com as demais coisas que a gente posta por lá: fotos, vídeos, poemas, textos diversos etc. Mas temos também muitos ouvintes que só o ouvem pela internet, mesmo porque moram em outras cidades, estados ou países. Então temos pelo menos dois tipos de ouvintes: aqueles que além de ouvir o programa pelo rádio, visitam o site em busca de mais informações e aqueles que o ouvem apenas pela internet. No rádio fizemos uma opção que busca dedicar mais espaço para a música. Assim, minhas intervenções buscam ser mais pontuais, destacando algum aspecto relevante sobre o artista, sobre algum ritmo, dança ou instrumento. Deste modo, a gente acredita que os ouvintes formam sua própria opinião sobre o que estão ouvindo e, caso queiram mais detalhes sobre este ou aquele artista, sobre um determinado instrumento ou sobre a letra da canção, por exemplo, eles têm o site como referência. As duas mídias se complementam, mas acho que a gente ainda não explorou muito bem as possibilidades e as potencialidades do site. Estamos agora desenvolvendo um novo site e acho que poderemos tirar mais proveito em breve.

A produção e a divulgação da música latina, nos dias de hoje, está bem diversificada e pulverizada, fugindo das grandes gravadoras que dominaram o mercado nas últimas décadas do século XX. Isso tem um aspecto positivo, pois possibilita o surgimento de muita coisa nova. Segundo a sua visão, o que merece ser ouvido nos dias de hoje da música latina?

Carlos Bonfim – É impressionante o universo que temos hoje à disposição. E o legal é isso que você aponta sobre o que circula à margem das grandes gravadoras. Todos ganhamos muito em qualidade e em quantidade com isso. Procuramos priorizar artistas independentes, artistas que contribuem para atacar os muitos estereótipos que se tem ainda sobre a música em espanhol. Então é legal mostrar no programa o tango argentino e a salsa cubana, por exemplo. Mas procuramos trazer também o jazz, o rap, a música eletrônica, o ska, o blues, as experimentações mais diversas justamente na tentativa de apresentar a diversidade do que vem sendo feito no continente. É legal mostrar, por exemplo, a música eletrônica que se faz no Peru e no Chile, por exemplo, o jazz que se faz na Venezuela e no Equador etc. É maravilhosa a quantidade de coisas a serem exploradas ainda. E isto é ótimo, claro. Há estas vantagens e há muitos desafios também, claro. Dá muito trabalho garimpar, selecionar esse repertório, conseguir informações, etc. Mas ao mesmo tempo é um desafio muito legal também porque nos permite ir ampliando nossa compreensão sobre esta produção, estabelecer paralelos (o que muitas vezes se transforma em projetos de pesquisa, em publicações etc.).

O que os ouvintes do Latitudes Latinas podem esperar para este ano de 2011?

Carlos Bonfim – A partir de minha atuação como membro da Associação Internacional para o Estudo da Musica Popular (IASPM-AL: www.iaspm-al.org) estamos organizando com alguns colegas de outros países um novo projeto para 2011. Cada um de nós, que temos em nossos respectivos países programas de rádio, vamos enviar-nos uma série de programetes neste formato de cinco minutos nos quais a gente vai destacar algo que pode interessar ao público de nossos respectivos programas. Acho que é uma iniciativa legal e que vai contribuir também para estreitar estes laços entre a gente. E para os ouvintes acho que vai ser legal também a experiência. Também durante este ano vamos inaugurar uma parceria com a Casa da Música (http://casadamusicabahia.wordpress.com ): vamos realizar ali uma série de encontros dentro do projeto de Bate papo musicado. Vai ser algo assim como uma versão ao vivo do programa, num formato mais informal, com o público presente e música ao vivo. E estamos trabalhando também em parceria com alguns músicos da Bahia para realizar ainda neste semestre os primeiros encontros em formato “de dois em dois”. A cada edição teremos um cantor e compositor daqui do Brasil se apresentando em parceria com outro artista do continente. E a idéia é que sejam encontros de mão dupla: aqui e lá.

Latitudes Latinas

Apresentação Carlos Bonfim.

De segunda a sexta na rádio Educadora FM de Salvador (107,5 MHz), às 9h30 e às 20h30. E aos sábados na rádio Educativa FM de Maceió (107,7 MHz), das 10h00 às 11h00 da manhã.

Site: http://www.latitudeslatinas.com/ .