Entrei apressadamente no vagão e sentei-me em frente a uma mulher jovem, não ultrapassava os trinta, mas tinha mais de vinte. Soa o alarme, o trem fecha as portas. Começa a se movimentar e ela levanta e senta-se ao meu lado. Estranhei o fato, havia outros lugares vagos, mas, sem problemas. Trinta segundos ao meu lado, pergunta: posso fazer uma oração para o senhor?
Confesso que fui surpreendido. Eu, mestre das respostas prontas e certeiras para tudo, não sabia o que responder, não sabia o que dizer em uma situação tão incomum. Por falta de algo melhor ou convincente, disse: se você quiser… Ela abaixou levemente a cabeça, uniu as mãos espalmadas e fechou os olhos. Comecei a pensar: o que faz uma pessoa agir assim com quem ela nunca havia visto na vida; que motivações movem essa mulher; o que faz o fanatismo religioso; como me livro dessa situação; será que ela vai querer me converter à sua fé; o que viu em mim; vai me convidar para visitar o seu culto; vai pedir uma contribuição? Tantas perguntas, uma após a outra, não guardando uma sequência lógica e fazendo aquele minuto e pouco parecer uma eternidade. Não queria estabelecer contato visual com ela naquela situação. Quando arrisquei dar uma olhada, vi que estava com a mão direita aberta e direcionada a mim. Inicialmente achei que era evangélica, mas esse ato me fez acreditar que era espírita e estava me dando um passe. De qualquer forma o gesto me trouxe mais confusão. E eu continuava perguntando o porquê de tudo aquilo, sem obter respostas. E um momento posterior, inclinou um pouco mais a cabeça, uniu novamente as mãos e disse: muito obrigado. Balancei a cabeça concordando com o agradecimento. A viagem durou mais alguns minutos, contemplada por um silêncio abissal. Ao final dela, se levantou e despediu-se. Eu, ainda sem ter o que responder, falei: vá com Deus.
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Esse conto faz parte da obra Babylonia blues – Relatos delirantes (2019), editada pela Patuá.