jamil_alves_-_divulgacao_-a.jpg2018 foi um ano diferente, atípico. Para mim, representou primeiramente um grande obituário, que começou ainda nos últimos dias do ano anterior, com a partida de um amigo querido, João do Carmo. Criatura doce, brincalhona. Um homem engraçado, divertido, leve. Apesar dos mais de 60 anos de idade, olhava para a vida com olhos de criança travessa.  

Em março, a vida me deu um golpe duplo. Nos primeiros dias, a Nenê, minha doce Nenê, faleceu do nada. Estava linda, ótima de saúde no alto de seus quase 15 anos. Mas hoje, embora ainda muito triste, tenho como consolo o fato de ela não ter sofrido como tantos outros cãezinhos idosos que conheço, que são submetidos a dolorosos tratamentos de saúde. Nenê me deixou um buraco no peito para sempre, mas partiu sem ter sofrido.

 

Antes que março acabasse, a segunda pancada foi a morte da minha amiga Denise, com quem trabalhei por seis anos. Era uma mulher jovem, linda e cheia de vida. Esportista cuidadosa. Morreu fazendo o que mais amava: pedalar sua bike. Uma estradinha perto do centro de Santana de Parnaíba, uma bicicleta nova, uma ladeira abaixo e uma queda fatal.

 

No meio do ano, a Copa do Mundo: um saco, um fiasco, uma espécie de “morte para o futebol” do nosso continente. A América do Sul, encabeçada pelo Brasil, decepcionou demais, e a Europa, com as quatro melhores equipes do torneio, conseguiu se impor como força quase hegemônica do futebol mais uma vez (embora a equipe francesa, campeã, tenha mais africanos, natos e descendentes, que franceses em seu quadro). A Copa valeu muito mais pelas belezas da Rússia na TV que pelo esporte.

 

Em setembro, o país todo se despediu novamente, depois de quase trinta anos, da inesquecível Odete Roitman. Na verdade, da grande atriz Beatriz Segall, que teve inúmeros papéis marcantes na tevê, no cinema e no teatro. No entanto, foi a sua Odete Roitman, jogando na cara do público as verdades ruins sobre o Brasil no horário nobre da televisão em 1988, sua personagem mais marcante. Até o fim de sua vida, teve de ouvir gente confundindo seu nome, trocando Beatriz por Odete.

 

Ano já se encaminhando para o fim, outubro, e as eleições foram uma catástrofe, um show de horrores. De todos os lados, bobagens, notícias falsas, análises rasas. O segundo turno foi um espetáculo deprimente, um embate de um discurso raivoso, cheio de preconceitos e de radicalismos, contra outro que representava toda a bandalheira que queríamos deixar para trás: uma esquerda que se esqueceu de seus nobres ideais e que hoje, comandada por um presidiário, é incapaz de fazer sequer um mea culpa do saque que perpetrou ao erário do país. Entre tantas opções (nenhuma delas lá muito boa nem convincente, é bem verdade…), ficamos com as duas piores.

 

No mês de novembro, perdi a Didi, a minha querida Didi, amiga maravilhosa, professora amada. Nossas conversas na rede social eram uma espécie de confessionário para mim, e me parecia incrível a intimidade que tínhamos, mesmo depois de tantos anos sem nos vermos presencialmente. Essas mensagens são, agora, um imenso relicário virtual ao qual eu volto toda vez que a saudade aperta.

 

E quando chegam dezembro, a loucura do fim do ano e o calor escaldante, vêm as redes sociais e nos devastam com notícias ruins, como a de uma senhora negra que foi destratada e ofendida a gritos por outra passageira no metrô do Rio de Janeiro, só por ter tocado em seu braço para lhe pedir licença.

 

Foram diversos impropérios de teor racista, e ainda há quem acredite que racismo no Brasil é mimimi, conversa fiada. Ver o vídeo, viralizado na primeira semana do último mês desta saga chamada 2018, revolta, enoja, angustia, não só pela tristeza do fato em si, mas principalmente porque uma manifestação racista é uma das formas mais profundas de demonstração da burrice humana.

 

Mas, espere, ainda faltam mais histórias. Manchinha. Sim, Manchinha. Esse era o nome do cãozinho assassinado numa grande rede de supermercados da cidade de Osasco. E não era cãozinho, mas sim uma adorável cadelinha, espancada brutalmente pelo segurança do local com uma barra de alumínio. Sim, mesmo com dezembro correndo rápido, 2018 ainda tinha tempo para mais fatos tristes.

 

Terminando de fazer o balanço deste ano de tantos fins e despedidas, me veio à mente um pensamento que explica, de certo modo, a morte, esse adeus tão doloroso a que somos submetidos ao longo da vida. Trata-se da metáfora do navio, do rabino Henry Sobel, o religioso moderno que chegou a São Paulo em 1970, com cabelos compridos, quipá cor de vinho e atitudes ousadas: “imagine que você está à beira-mar e que vê um navio partindo. Você fica olhando enquanto o navio vai se afastando, cada vez mais, e vai tão longe que finalmente parece apenas um ponto no horizonte, lá onde o mar e o céu se encontram. Então, você conclui que ele se foi. Mas foi para onde? Ele foi para um lugar que sua vista não alcança, só isso. Porém ele continua grande, tão bonito e importante quanto quando estava com você. A dimensão diminuída está em você, não nele. Naquele mesmo momento em que você diz ‘ele se foi’, outros estarão dizendo ‘ele está chegando’”.