Erros de pronúncia são comuns e imagino que existam em qualquer língua. Por um motivo ou outro (escolaridade, região de origem, meio profissional ou outros tantos), sempre hão de existir aqueles que pronunciam algumas palavras de maneira diferente do que está prescrito e registrado na gramática. No entanto, devo confessar que ouvir imbigo, degote, impricância e pranilha é puxado para mim.
Mas os erros linguísticos (erros de português, neste nosso caso) já foram e vêm sendo estudados à exaustão. De certa forma, parece que “perderam a graça”, porque quem usa as palavras de um jeito diferente da prescrição não entende – e muitas vezes nem sabe – por que erra, assim como os que falam corretamente o fazem de forma natural, nem percebem que estão acertando naquilo que muitos erram.
Mesmo assim, há alguns casos curiosos. Percebo que, com frequência, a forma errada é mais difícil que a correta, o que significa que errar não implica necessariamente um mero caso de simplificar uma palavra. Dona Justa, a avó de uma amiga, dizia sempre que era devota do anjo Grabriel, e a forma errada parecia mais um proposital trava-línguas que um erro bobo e corriqueiro.
Para mim, assim são também os casos de pronunciar estrupo, iorgute, largatixa. O erro me parece difícil, dá muito mais trabalho que pronunciar a palavra da forma prescrita. Tanto é assim que o nome desse curioso fenômeno que faz um som de uma palavra aparecer em outro lugar é um termo grande, proparoxítono e bem estranho: metátese.
Mas o que tem capturado mais a minha atenção neste momento são certas palavras que parecem ter uma “existência parasitária”: no uso real e cotidiano da língua, ficaram restritas a existir apenas quando atreladas a outras, em geral dentro de uma expressão idiomática. Bem, se não concorda comigo, minha tese pode ir para as cucuias; a partir daqui, nem precisa mais me dar trela.
Cucuias? Onde será que fica isso? É um lugar? Um tipo de cuia de formato redondo, pequeno e rugoso? E antes que alguém saia a procurar no dicionário e acabe encontrando que trela é uma “correia de couro, cordel ou metal” ou que significa também atenção, isso não importa. Ninguém usa trela fora desta expressão, “dar trela”. Ou por acaso você já ficou “prestando trela” nas pessoas? Já viu alguém tomar remédio porque tem “déficit de trela”?
Beça é mais uma palavrinha que causa confusão à beça, e ninguém consegue precisar muito bem sua verdadeira origem. O mais provável e aceito, deixando de lado as muitas anedotas que se contam a respeito, é que seja uma cópia lusófona de a verse do francês, teoria bastante plausível pela perfeita coincidência no sentido e pela cultura letrada do começo do séc. XX, quando beça foi registrada pela primeira vez, ser maciçamente francófila. Porém minha ideia é a de que beça é outra parasita, só existe na expressão “à beça”. Ou você já comeu uma beça? Já tocou uma beça? De que cor é a beça que você viu? Ou será um beça, pouco provável porém análogo a um carateca?
Gume, que não deve ser confundida com cume, dá nome à parte cortante de uma lâmina, o lado mais afiado de um instrumento de corte. É tão específica, nomeia algo tão exato que também ficou enclausurada na expressão que usamos frente a uma situação dúbia: “é uma faca de dois gumes” – e não “de dois legumes”, como dizem muitos.
Outra palavra interessante é pinoia. Embora os dicionários registrem para ela acepções como “mulher que se veste com exagero”, “mulher leviana” e “bom negócio, pechincha”, nunca ouvi nem usei pinoia com esses sentidos. Só conheço a pinoia da expressão que usamos para negar algo com veemência: Vai fazer o que eu pedi? – Uma pinoia!
A única novidade para a coitada pinoia foi ter perdido o acento gráfico, mas não lhe fizeram nenhuma deferência exclusiva, já que todas as paroxítonas com ditongos abertos, como ideia, heroico, europeia e jiboia o perderam. Seria muito mais fácil se os gramáticos dissessem simplesmente que o acento das paroxítonas que tinham como função marcar apenas a abertura da vogal é que caiu. Sem acento, a sílaba tônica dessas palavras continua no mesmo lugar – e é por isso que não dá para tirar o acento de outras paroxítonas como secretária, por exemplo, que deixaria de ser profissão e viraria lugar. Mas essa complicação toda já é outra história – ou estória, anglicismo de que gosto bastante.
Ilustração: Franklin Valverde