cafe_-_franklin_valverde.jpgNo caminho para chegar aqui, um acontecimento, só um acontecimento na entrada do túnel do antes Elevado Costa e Silva, sentido centro. Como de hábito, tomar a faixa da direita na General Olímpio…; essa opção se deve a uma idiossincrasia no tráfego paulistano: nunca transito pela pista central; nem imaginar a da esquerda… Por comodidade, ainda, tornaria à direita três quarteirões adiante e subiria a rua… Ao parar para cruzar o entroncamento … duas bikes à frente da sinaleira, conduzidas por um rapaz e uma moça, se equilibravam entre carros e o meio fio, pouco antes da faixa para pedestres.

 

O trânsito nesse horário, logo após o pôr do sol, está sempre pesado e os carros à minha frente se moviam lentamente. Tinha que ficar atento e tomar decisão rápida para não errar o cálculo e ficar no meio do entroncamento. E assim, com o lento fluxo de veículos, acompanhar as duas bikes e, enquanto elas se entrelaçavam entre os carros, indago: como é difícil pilotar uma bike na cidade no horário de rush numa via com desníveis, curvas fechadas e prédios que fecham a visão do condutor.

 

Dois cafés, por favor, você pede à moça que vem nos atender. E ela: mais alguma coisa, senhor? Não! Só isso, por enquanto… Ela anota os pedidos, se retira e, virando o rosto na minha direção, você me diz: certo, sei…

 

Os carros seguiam inadvertidos movimentos e as bikes, em ziguezague, os ultrapassam, mas igualmente não avançam. Por isso, depois de cruzar o entroncamento, entre mim e o carro da frente se interpõe uma das bikes, a que estava sendo conduzida pela moça. O carro aciona seta para indicar que tornaria à direita para entrar na rua… A bike e eu em seguida reduzimos a velocidade e aguardamos o movimento do carro.

 

Após a conversão do carro à frente, a bike e eu em seguida continuamos a travessia… No cruzamento mais adiante, há uma curva à direita relativamente aberta, que antecipa uma reta antes de eu superar o último quarteirão, pegar a rua… e subir rumo à …. Na travessia, noto a curva e sinto que se jogasse o carro demasiado para a direita espremeria a bike junto ao meio fio, depois de ultrapassar o cruzamento.

 

Não antecipo um acidente, com meu senso de cuidado e sentimento de que poderia ter um aborrecimento ao abrir da noite. Mas imagino fazer uma manobra com cautela para não pôr a bike em perigo.

 

Pronto! Diz a moça, ao trazer os cafés. Ela põe os copos na mesa e se retira. Aqui está sempre cheio nesse horário, você me diz, meio absorto, enquanto mantém atenção ao que conto e olha a movimentação no Café… E assim você ouve uma conversa ao acaso, que poderia ser sobre mais uma tarde abafada do verão, e que antecipa, como ocorre em qualquer encontro, o assunto que seria tratado aqui no Café…

 

A presença da bike à minha frente, nessa manobra que exige cuidado, me impede de ver pelo retrovisor esquerdo o movimento dos carros ao lado. Sei, contudo, que seria imprudente, para deixar o espaço totalmente à bike, jogar o carro para a esquerda, pois com isso, sem que pudesse me dar conta num lapso, estaria criando uma situação de insegurança para algum móvel que se movia à minha esquerda.

 

Então tinha que, levemente, jogar o carro cuidadosamente para a esquerda, mas não perder totalmente o espaço na faixa na qual trafegaria livremente, não fosse a movimentação da bike. Por se tratar de uma manobra cautelosa, e por saber que a velocidade do carro pode com leve pressão no acelerador superar rapidamente a bike, afundei o pé com cuidado e dei leve buzinada para avisar que a ultrapassaria.

 

E assim o fiz e transpus o cruzamento e ultrapassei a bike. Na reta em que entrei depois do cruzamento, contudo, antes de alcançar a rua… a sinaleira fechou. Parei e com o carro parado pude notar que a bike da frente, a com o rapaz na garupa, freou bruscamente para não ser abalroada por um carro cujo condutor, para escapar à sinaleira, sem qualquer aviso, subiu a calçada e cortou caminho por um posto de gasolina para subir a mesma rua… que eu subiria.

 

Como de costume, guardo parte do tempo no trânsito para observar o comportamento dos motoristas. E assim pude ver a contrariedade do rapaz na bike. Ele continuou seu caminho e, no lapso em que aguardava a sinaleira que abriu, senti que uma bike à minha esquerda me ultrapassaria. A bike, a conduzida pela moça, me ultrapassou.

 

A ultrapassagem da bike da moça, pela minha esquerda, me surpreendeu, pois a havia perdido de vista, atento ao entrevero do rapaz e sua bike e o carro que o fechou sem aviso. Na ultrapassagem, de qualquer forma, ela, a moça da bike, teve tempo de voltar o rosto em minha direção e exclamar: vai fechar tua mãe!

 

Sim… certo… entendo… ela não viu o mesmo que você, você me diz, enquanto sorve um gole de café; já aconteceu comigo algo similar, sempre acontece coisa assim no trânsito, quando menos esperamos um dedo do meio é apontado; as pessoas, no trânsito, não parecem que são as mesmas que vemos quando não estão…, quando agora como nós estão tomando café no Café…; ela poderia estar aqui contando o que se passou, dizendo que quase foi atropelada por um motorista folgado, completou você, olhando para mim.  

Pego o copo, lentamente, olho para a rua…, vejo os carros que passam; e você inicia a prosa que nos trouxe aqui, no Café…

Ilustração: Café – Franklin Valverde