como_fazer_documentarios.jpg

Pressão incomum na cabeça; sensação de vertigem; ou, melhor, ausência, um branco mental – um teste e lhe escapa no nome do presidente norte-americano que estimulou a invasão do Capitólio; força a lembrança e lhe vem MacDonald, os cassinos de Las Vegas, o império na imprensa; sabe não é Bush, mas Bush fica martelando; pensa numa letra do nome para refrescar a memória; mas menos que perda de memória, de orientação do raciocínio, e mais uma forte dispersão nos pensamentos, perda de foco.

 

A sensação de que teria de tratar de alguma coisa importante, mas simplesmente isso que queria tratar se diluiu. Resta fazer alguma coisa não planejada porque o que deveria fazer lhe escapou. Quer dizer, preencher o tempo com um afazer qualquer, um livro colhido ao acaso da estante, um filme do romeno Cristi Puiu, Malmkrog, um zaping no Facebook para se irritar com postagens sobre recentes acontecimentos políticos. Não houvesse razão alguma para os sintomas, razão seria procurada, para que não houvesse qualquer ausência de razão. Sem que perceba tem presente que o crítico de arte inglês David Silvester, ao escrever resenha sobre exposição de Joseph Beuyes, faz referência a uma sentença por ele pronunciada e que incomoda e gera mal entendido: “Todo homem é um artista”. Representar stress para si mesmo convém. Sintomas iniciais. Não resta dúvida. Esgotamento mental. Ervilhas d´ontem? Talvez, mas nesse talvez. Teriam afetado o fígado? Não consegue acompanhar os diálogos dos personagens em Malmkrog. Algo burla o sentido do que falam. As falas se dispersam, mas não a estrutura geral do que falam, ao contrário… As imagens se misturam, as ervilhas, o fígado…; deve haver relação entre a extinção dos dinossauros e o gás exalado por seus peidos. Súbito, a lembrança de escrever a resenha para um livro sobre documentário de cinema que prometeu a um amigo, para o qual, com o turbilhão mental, conjectura uma desculpa para sequer ter o livro aberto. Não tem, de qualquer forma, ânimo para procurar o livro numa pilha de livros que se amontoa. O mal, a origem do mal de que falam personagens de Malmkrog, Trump, agora sim, Donald Trump. Isso mesmo. Assim, exausto, pondera, tenta ponderar, sobre a intelecção para quem vê um filme que retrata a era dos impérios, sobre o fim dos Hohenzollern, dos Habsburgos, dos… lhe escapa… precisa buscar na memória… fica alguns segundos… Karamazov… não, não… a casa reinante na Rússia…: os Romanov. Impossível entender Malmkrog sem ter passado os olhos por Eric Hobsbawm… Mas, o livro, para o prefácio, Como fazer documentários: conceito, linguagem e prática de produção, Lucena, Luiz Carlos, é avistado subitamente. Deixa Malmkrog de lado e põe-se à leitura de Lucena.